quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

dos dias

dois textos e uma reflexão. antes da reflexão um café. os textos de que falo, e aqui já colocados, um é de mário soares e publicado na "visão" com o título "os "vencidos da vida" de hoje" e o outro é de paulo tunhas com o título "tempo propício a desejos e riscos" e publicado na revista "o mundo em 2011". se, por um lado, o texto de mário soares pretende revelar um optimismo, evidenciando os ganhos de abril, que não se colocam em causa, antes pelo contrário, veja-se, por exemplo, o caso de famalicão, na medida em que a partir dos anos oitenta assistiu-se a uma projecção construtiva e dinâmica dos equipamentos culturais, tem uma evidência, muitas vezes, de facto, esquecida pelos políticos, agentes económicos e sindicalistas: os recursos humanos, a pessoa, o ser humano. exemplo concreto disto são as greves: o que interessa há imprensa, aos sindicatos e aos políticos são, indiscutivelmente, os números, não as pessoas ou os problemas sosciais a serem resolvidos. tudo continua na mesma ou ainda pior! depois, quando assistimos a debates de uma campanha pré-presidencial tão amorfos, tão sem ideias, tão sem chama, tão sem alma e tão sem coração interrogamos sobre a passividade acomodativa da sociedade portuguesa. esta (a)comodação leva-nos à reflexão do filósofo paulo tunhas. por um lado, esta (a)comodação leva-nos a algo de irreflectido. a ética não nasce da passividade nem da inactividade, nasce da acção para uma razoabilidade do humano, mesmo sabendo, como ponto de partida, que a ética poderá ser uma ficção. mas esta ficção ética poderá ser uma realidade, mas uma realidade que não poderá ser entregue a uma "sorte moral". a ética não nasce da sorte das acções do ser humano. assim não teria fundamento e o ser humano não teria os seus próprios fundamentos de existenciariedade. a tal "sorte moral" que paulo tunhas fundamenta encaixa perfeitamente nesta ética contemporânea da aparência que não aparenta, simplesmente se acomoda. correr riscos, sim; pensarmos de novo em desejos, sim. mas os riscos e os desejos do ser humano não devem entrar nessa "sorte moral", seria a ilegitimação da ética e não daria novos rumos ao ser humano, numa época em que existem mais incertezas do que certezas, porque uma época sem referências.

paulo tunhas e pensar portugal




mário soares




amartya sen


"«No pequeno mundo em que as crianças vivem a sua existência», diz Pip no livro Grandes Esperanças, de Charles Dickens, "nada há que seja mais finamente percebido e sentido do que a injustiça». Quer-me realmente parecer que Pip tem toda a razão: depois do seu encontro humilhante com Estella, acorreu-lhe vivíssima a memória de como, enquanto criança, ele fora alvo de uma «coacção caprichosa e violenta» às mãos da sua própria irmã. Mas esta aguda percepção da injustiça evidente é algo que também acontece nos seres humanos adultos. O que nos toca, e é razoável que o faça, não é o darmo-nos conta de que o mundo fica aquém de um estado de completa justiça - coisa de que poucos têm esperança -, mas o facto de que, à nossa volta, existam injustiças manifestamente remediáveis e que temos vontade de eliminar. / Na nossa vida do dia-a-dia, isto torna-se muito claro diante de iniquidades ou subjugações de que possamos ser alvo e das quais tenhamos boas razões para nos podermos ressentir; mas é algo que também verificamos quando procedemos a um mais amplo diagnóstico da injustiça que se pode encontrar nesse mundo mais vasto em que todos vivemos." (9)
I
As Exigências da Justiça
II
Formas de Racionalidade
III
Os Materiais da Justiça
IV
Argumentação Pública e Democracia

bernardino machado, político e pedagogo

para o dr. manuel sá marques, este texto e caricatura retirado da biblioteca digital da fundação mário soares, que não deve ser seu desconhecido.



Urbano Tavares Rodrigues - "A Personalidade e a Vida Política do Recto Cidadão e Notável Pedagogo que foi o dr. Bernardino Machado". In Diário de Lisboa. Lisboa, n.º especial do 50.º aniversário do DL (7 Abr. 1971), pp. 12-13.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

hermann hesse

CULTURA


  • "A verdadeira cultura não é aquela que almeja um determinado objectivo mas sim aquela que, como acontece em qualquer procura da perfeição, tem o seu próprio significado ínsito. Tal como a procura da força, da agilidade e da beleza física não tem um objectivo próprio definitivo (por exemplo, o de nos tornar ricos, célebres e poderosos), antes encontra em si mesma a sua recompensa, na medida em que exalta o nosso sentido vital e a nossa confiança em nós próprios, nos torna mais alegres e mais felizes e nos dá uma maior sensação de segurança e de saúde, também a procura da «cultura», ou seja, de um aperfeiçoamento intelectual e espiritual, não é um fatigante caminho em direcção a uma meta bem precisa, antes sendo, pelo contrário, um fortificante e benéfico alargamento da nossa consciência, um enriquecimento das nossas potencialidades de vida e de alegria. Por isso, a verdadeira cultura, tal como a educação física, é, ao mesmo tempo, um estímulo e uma satisfação, atinge sempre o alvo mas não pára em lugar algum, é um proceder no infinito, um vibrar em uníssono com o universo, um viver com isso fora do tempo. O seu objectivo não é o desenvolvimento de uma única faculdade ou capacidade; essa ajuda-nos, principalmente, a dar um sentido à nossa vida, a interpretar o passado, a abrirmo-nos ao futuro com corajosa prontidão." (9)
LITERATURA
  • "Entre as vias que conduzem a esta cultura, uma das mais importantes é o estudo da literatura universal, o adquirir, pouco a pouco, familiaridade com o imenso tesouro de pensamentos, experiências, símbolos, fantasias e miragens que o passado nos deixou em heranças nas obras dos poetas e dos filósofos de muitas nações. Esta via é interminável, ninguém a poderá alguma vez percorrer até ao fim, ninguém conseguiria esgotar o estudo e o conhecimento da inteira literatura de um único povo civilizado, para não falarmos daquela humanidade inteira. Porém, por outro lado, cada nosso ingresso inteligente na obra de um grande poeta ou de um importante filósofo é uma experiência feliz e satisfatória, que acrescenta em nós não uma soma de noções mortas mas antes a nossa consciência viva e a nossa compreensão. Aquilo que nos deve importar não é termos lido e conhecer o mais possível mas sim, através de uma escolha livre e pessoal de obras-primas às quais nos dedicaremos plenamente nas nossas horas livres, fazermos uma ideia da grandeza e da abundância daquilo que o homem pensou e desejou, e de nos situarmos numa relação de vivificante conformidade com a soma das coisas, com a vida e com o pulsar da humanidade. Este é, no fundo, o significado de toda a existência que não se limita à pura necessidade material. A leitura não deve, de modo algum, «distrair-nos» mas sim concentrar-nos; não nos deve fazer esquecer uma vida sem sentido, nem aturdir-nos com uma consolação ilusória antes devendo, pelo contrário, contribuir para dar à nossa vida um significado sempre mais elevado e mais pleno." (10)

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

virginia woolf


  • «A biblioteca é sempre a sala mais agradável de uma casa», citou ela, e passou os olhos pelos livros. Os livros eram «O espelho da alma. The Faerie Queene e a Crimea de Kinglake; Keats e a Sonata a Kreutzer. Ali estavam eles, a reflectir. Em quê? Que remédio podia ela encontrar com a sua diade - a idade do século, trinta e nova - nos livros? Era avessa aos livros, como o resto da sua geração; e avessa às armas também. E mesmo assim, tal como, na farmácia, uma pessoa com uma dor de dentes lancinante passa os lhos pelos frascos com rótulos dourados no caso de um deles conter a cura, ela ponderou: Keats e Shelley; Yeats e Donne. Ou talvez não um poema; uma vida. A vida de Garibaldi. A vida de Lord Palmerston. Ou talvez não a vida de uma pessoa; de um condado. As Antiguidades de Durham; As Actas da Sociedade Arqueológica de Nottingham. Ou nem mesmo uma vida, mas ciência - Eddington, Darwin, ou Jeans. / Nenhum deles lhe fazia passar a dor de dentes. Para a sua geração o jornal era um livro." (22)
  • "Vazia, vazia, vazia; silenciosa, silenciosa, silenciosa. A sala era uma concha, cantando o que fora antes do tempo..." (33)
  • "Vindas da biblioteca as vozes pararam na entrada. Encontraram por certo um obstáculo; um rochedo. Era absolutamente impossível, mesmo no coração da província, estar só? Tal era o choque. Depois disso, o rochedo foi contornado, abrangido. Se era doloroso, era essencial. Tem que haver sociedade. Saindo da biblioteca, era doloroso, mas agradável..." (33)
  • "«Faltam-nos as palavras - faltam-nos as palavras», protestou a Sr.ª Swithin. «Na cabeça; não nos lábios; é só isso.» «Pensamentos sem palavras?, ruminou o irmão. «Será isso possível?» (45)
  • "Porque julgarmo-nos uns aos outros? Conhecemo-nos uns aos outros? Não aqui, não agora." (49)
  • "«Como tenho o coração cheio de primavera?» disse ele em voz alta, de pé, em frente à estante. Livros: o precioso sangue vital dos espíritos imortais. Poetas: os legisladores da humanidade." (85)
  • "A música acorda-nos. A música faz-nos ver o que está escondido, juntar o que está quebrado. Olhar e ouvir. Ver as flores, como elas irradiam a sua vermelhidão, a sua brancura, o seu prateado, e o seu azul. E as árvores, com as suas silabizações em muitas línguas, as suas folhas verdes e amarelas apressando-nos e misturando-nos, e chamando-nos, como os estorninhos e as gralhas-calvas, se juntam, se apinham todos, para tagarelar e se divertir enquanto a vaca fulva anda para a frente e a preta fica parada." (88)
  • "O vento levou consigo as palavras." (91)
  • "Por onde caminho?» cismou ela. «Por que túneis ventosos? Onde o vento sem olhos sopra? E onde não cresce nada para os olhos. Nenhuma rosa. Para nascer onde? Em algum indistinto campo estéril onde nenhum crepúsculo estende o seu manto; nem o sol nasce. Tudo é igual aí. Sem vento e sem alento são as rosas lá. Nãi há variação; nem o mutável e o amável; nem boas vindas e despedidas; nem descobertas nem emoções furtivas, onde a mão procura a mão e os olhos buscam abrigo dos olhos.» (111)
  • "Cada um é parte do todo." (135)
  • "Palavras sem sentido - palavras maravilhosas." (148)