domingo, 27 de junho de 2010

ética e república

ÉTICA E REPÚBLICA
O CIDADÃO IDEAL




O Município de Barcelos teve a amabilidade de convidar a Associação Portuguesa de Ética e Filosofia Prática para abrir a tertúlia denominada ao tema "Ética e República". Esta acção visa as comemorações do centenário da República em Barcelos e a respectiva Associação tem o maior júblio em estar presente na abertura. O Presidente da Direcção Nacional, Dr. Eugénio Oliveira, sabendo que o Presidente da Assembleia-Geral da mesma Associação é um curioso pela obra pedagógica de Bernardino Machado, resolveu convidá-lo para apresentar a mesma Associação, fazendo-o com gosto, esperando que a respectiva comunicação seja proveitosa para o auditório que estiver presente, e cuja sessão será na Bilioteca Municipal de Barcelos. Não só apresento aqui alguns livros que vou usar nessa mesma comunicação, como igualmente a dedico ao Exno Sr. Dr.º Manuel Sá Marques, neto de Bernardino Machado, pela admiração, cordialidade, respeito e amizade fraternal com que sempre me tem dedicado a sua atenção. O que vou colocar é a parte incial da mesma comunicação.





Começo, precisamente, por tentar estabelecer o propósito da minha comunicação, a qual se situará em duas partes, as quais não se diferenciam, mas que se interligam entre si. Se, por um lado, pretendo estabelecer a relação dos três princípios republicanos, a saber, Liberdade, Ordem e Trabalho, pelo menos naquilo que o ideário republicano representava no seu marketing político, veremos o quanto estes três princípios estão entre si ligados numa base edificante perante a educação, a instrução e, no seu corolário, a ética; e, por outro lado, tais princípios serão vivenciados na obra pedagógica de Bernardino Machado, tipificando não só uma Filosofia da Educação (aqui retomando nas palavras de Rogério Fernandes), como igualmente o seu sentido prático, o sentido de uma Filosofia Prática. Esta Filosofia Prática e/ou educação prática tentarei evocá-las perante as "Notas Dum Pai".





Refiro, para começar, um diálogo de Socrates com Teeteto. Socrates: «E quem tem uma ideia, não deverá ter uma ideia de alguma coisa?» Teeteto: «Necessariamente». Socrates: «E quem tem uma ideia de alguma coisa, não terá de ser algo real?» Teeteto: «Parece que sim.» Este simples diálogo serve para mostrar que, há mais de dois séculos, a realidade e a verdade intrínseca das coisas, ou melhor, que a verdade se encontra na realidade, foi sempre um fenómeno presente no pensamento. O que aqui temos vai ao contrário de alguns filósofos que atriuíram simplesmente ao iluminismo a reconversão da verdade revelada ao ser humano na sua própria realidade, uma verdade que não se transcende, mas que está na interioridade da pessoa que se encontra na razão, a tal maturidade kantiana. E, se, por seu turno, ao longo do século XIX surge-nos a conversão de um possível mundo sem Deus com Feurbach (o homem cria Deus em si próprio), Hegel (o conhecimento de Deus chega por via do homem), Marx (a religião não faz o homem, mas, ao contrário, é o homem que faz a religião), o niilismo de Nietzche e a transformação de todos os valores, em Darwin (no qual encontramos o factor temporal e a diversidade dos cntextos físico-morais em que os seres vivos se inter-relacionam, contribuindo para a formação das suas características, e o mesmo acontecendo como ser humano), em Wallace (o qual, ao contrário de Darwin, as capacidades mentais não podem ser explicadas pela selecção natural), a vontade de Schopenhauer, e, finalmentem o caso de Comte com os seus três estádios (teológico, metafísico e positivo), edifificando a veneração da Humanidade, servem tais referências para exemplificar que elas, directa ou indirectamentem as encontramos em Bernardino Machado, reformulando e adaptando essas ideias naquilo que irei designar por uma ética social compartilhada, nas sua spalavras de cooperação, , direcccionada para o bem comum, sem a referência teológica.







Este será o ideal republicano centrado na ideia de um ontologismo para a cidadania, o qual é muito bem explícito num filósofo contemporâneo, Daniel Innerarity, e uma ideia chave para Bernardino Machado, constantemente e principalmente nas "Notas Dum Pai", apesar de, em alguns momentos, não simpatizar ainda com os republicanos, questionando o tipo de opinião pública, entenda-de, cidadania, estarão a criar para o país, mas, por outro lado, afirma-se socialista e é, desde sempre, contra qualquer tipo de ditadura, tal como, e , neste sentido, já se tinha apelidado de liberal progressista. E, diga-se, que toda a reformulação teórica de uma possível sociedade sem Deus. vai ter o seu corolário com o laicismo republicano, a tal ética laica,, com a Lei da Separação da Igreja e do Estado, na pretensão de remeter o religioso ao privado. Mas para alcançar o edifício da ética social, Bernardino Machado percorre um longo caminho teórico e, ao mesmo tempo, prático, estando na base dessa ética social a instrução e a educação, conceitos que ele muito bem distinguia, ao contrário dos pedagogos convencionais e institucionais de hoje.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Richard Wagner - Siegfried Funeral March - E.Leinsdorf

Giacomo Puccini:Intermezzo from Suor Angelica-Karajan and Berliner Phila...

a bagagem do viajante


  • Entendo que cada um de nós é, acima de tudo, filho das suas obras, daquilo que vai fazendo durante o tempo que cá anda." (11)
  • ... o mundo será de facto transformado mas não por nós. (15)
  • ... não seremos todos nós transformadores do mundo? (16)
  • Mas talvez seja melhor assim: não ter alcançado o pináculo então, é uma boa razão para continuar subindo. Como um dever que nasce de dentro e porque o sol vai alto. (17)
  • O mito do paraíso perdido é o da infância - não há outro. O mais são realidades a conquistar, sonhadas no presente, guardadas no futuro inalcançável. E sem elas não sei o que faríamos hoje. Eu não o sei. (23)
  • Ninguém me via, e eu via o mundo todo. Foi então que jurei a mim mesmo não morrer nunca." (26)
  • ... Ah, esta vida preciosa que vai fugindo, tarde mansa que não será igual amanhã, que não serás, sobretudo, o que agora és. (37)
  • A vida vai voltar ao princípio. Será possível que a vida volte ao princípio?" (37)
  • Ao contrário do que afirmam os ingénuos (todos o somos uma vez por outra), não basta dizer a verdade. De pouco ela servirá ao trato das pessoas se não for crível, e talvez até devesse ser essa a sua primeira qualidade. A verdade é apenas meio caminho, a outra metade chama-se cridibilidade. Por isso há mentiras que passam por verdades, e verdades que são tidas por mentiras. (55)
  • Pois vá o barco à água, que o remo logo se arranjará. (95)
  • ... é que por baixo ou por trás do que se vê, há sempre mais coisas que convém não ignorar, e que dão, se conhecidas, o único saber verdadeiro. (108)
  • Um mundo de coisas, se eu estivesse em disposição de escolher uma, encontrar-lhe o jeito, surpreendê-la a olhar para outro lado e caçar-lhe o perfil secreto - que é, afinal, em que se resume a arte de escrever. (120)
  • Saberei que malhas e nós tecem uma existência que não é a minha, esta que aqui ando a contar, e uma vez mais descobrirei, sempre com o mesmo espanto, que todas as vidas são extraordinárias, que todas são bela e terrível história. (121)
  • ... talvez a fraqueza de cada um de nós não seja irremediável. A vida está aí à nossa espera, quem sabe se para tirar a prova real do que valemos. Saberemos alguma vez quem somos? (161)
  • ... um mundo que julgávamos tão pequeno e que, afinal, tem o seu tamanho multiplicado pelo número infinito de instantes que formam, juntos, o tempo do mundo. (177)

revistas saramaguianas




quarta-feira, 23 de junho de 2010

coisas e livros

Hoje, que fui a Braga, parece que estive numa outra cidade, e que caí num outro mundo, não neste, sem lógica nenhuma! Mas para os barcarenses era S. João festivo, e em força, com música a ecoar pelo espaço fora, sempre os tambores, com nada de originalidade, e depois o calor... E fui até à Biblioteca Pública de Braga, em trabalho para o Museu, a música tamboril lá continuava a entrar desconexada, sempre está mais fresco, um pouco melhor, não muito, e lá estive a investigar "O Mundo", jornal republicano por excelência e os textos políticos de Bernardino Machado. Sim, parece que estava noutro mundo, não neste, e Braga continua igual a si mesma, triste, e sem nexo, despujada de sentido, e não é a mesma coisa, e o que me alegrou foi, indiscutivelmente, o amigo Machado e os livros que entretanto adquiri, logo aqui este, o primeiro de Renaut, já li umas páginazitas do último capítulo, dedicado à temática da felicidade, e depois muito satisfeito também fiquei por ter encontrado aquele que se chama "Comunismo e Nacionalismo em Portugal", mais propriamente pela parte que dedica, em grande profundidade ao neo-realismo, já andava atrás dele há já algum tempo, e apareceu-me assim, sem contar, principalmente a terceira parte com o título curioso "A Imaginação da Cultura", e está claro, cita Armando bacelar e o seu pseudónimo de guerra Carlos Relvas, também já folheei mal a casa cheguei, e ainda não foram folheados a nova visão interpretativa que corresponde aos sete pecados mortais, vamos lá ver como será, e, finalmente, aquele mundo sem Deus, mas com Deus e deuses sempre presente, com vários estudos sobre o ateísmo, interessando-me o ensaio de Dennett, e, finalmente, o que me alegrou foi efectivamente, não o calor, porque não gosto lá muito de calor, foi, de facto, a investigação à volta de Bernardino Machado, esquecendo Braga e onde estava, e deu para perceber e entender melhor a amplitude nacional e internacional da sua figura...







o homem duplicado


  • ... à espera, como as coisas sempre estão, todas elas, a isso não podem escapar, é a fatalidade que as governa, parece que faz parte da sua invencível natureza de coisas. (20)

  • Mas as aparências, nem sempre tão enganadoras quanto se diz, não é raro que se neguem a si mesmas e deixem surdir manifestações que abrem caminho à possibilidade de sérias diferenças futuras num padrão de comportamento que, no geral, parecia apresentar-se como definido. (21)

  • ... o que é apenas em pensamento não conta. (22)

terça-feira, 22 de junho de 2010

visões (algumas) saramaguianas
























levantado do chão




  • Todos os dias têm a sua história, um só minuto levaria anos a contar, o mínimo gesto, o descasque miudinho duma palavra, duma sílaba, dum som, para já não falar dos pensamentos, que é coisa de muito estofo, pensar no que se pensa, ou pensou, ou está pensando, e que +ensamento é esse que pensa o outro pensamento, não acabaríamos nunca mais. (59)
  • E a morte é uma grande rasoira que passa sobre o alqueire da vida e põe para fora o que está a mais, embora muitas vezes se não saiba que critérios são os dela... / Quer a vida, ou quem nela manda, de mando certo ou indiferente, que ao mesmo tempo se faça a educação profissional e a educação sentimental. Há erro evidente nesta acumulação, provavelmente forçada pela brevidade das vidas, que não dão para que cada coisa se faça em seu tempo e descanso, com o que não ganha o ter só e só perde o sentir. (61)
  • De tão pequenas coisas depende, como se sabe, a felicidade das pessoas. (62)
  • É que isto de amores, tanto desabrocham em solitários de cristal por trás das vidraças como florescem bravos carrapiteiros, só a linguagem é que difere. (67)
  • Quem mais ordena não é quem mais pode, quem mais pode não é quem mais parece. (119)
  • As raízes da árvore do conhecimento não escolhem terrenos nem se arreceiam de distâncias. (119)

segunda-feira, 21 de junho de 2010

sidónio pais em famalicão

Já aqui publiquei alguns documentos referentes à administração famalicense de Alferes Pinto, durante o consulado do sidonismo em Famalicão, o qual seria substituído por José Dias de Sá, médico de Landim, em Maio de 1918.


  • "Viagem Presidencial". In Estrela do Minho. V. N. de Famalicão, Ano 23. n.º 1163 (20 Jan. 1918), p. 1.
  • "Recepção no Caminho-de-Ferro". In Estrela do Minho. V. N. de Famalicão, Ano 23, n.º 1163 (20 Jun. 1918), p. 1.

A passagem do chefe do governo na nossa estação de Caminho-de-Ferro, foi esperado pelo corpo judicial, comissão administrativa da Câmara, com todo o pessoal, administração do Concelho, Finanças e todas as corporações locais e bastante povo. A chegada à estação foi anunciada por grande número de bombas, recebendo o sr. dr. Sidónio Pais os cumprimentos oficiais e de pessoas gradas da nossa terra. À partida do comboio foram levantados vivas à Pàtria, à República, dr. Sidónio Pais, etc. / No regresso de Viana também concorreu muita gente a cumprimentar o chefe do governo, sendo a Portuguesa cantada com grande entusiasmo, por alguns rapazes do nosso Orfeão. / Em Nine também concorreu muita gente à chegada do comboio, tocando uma música, lançamdo foguetes e entusiástica recepção.



  • "Luto Nacional". In Estrela do Minho. V. N. de Famalicão, Ano 24, n.º 1210 (22 Dez. 1918), p. 2.
  • Por motivo da morte do sr. Sidónio Pais tiveram feriado, desde segunda-feira, as repartições públicas e escolas oficiais. / A Câmara e as associações da vila tiveram durante toda a semana as suas bandeiras em funeral. / A Câmara telegrafou ao presidente da Comissão Administrativa de Lisboa para a representar nos funerais do Chefe do Estado. / Anteontem e ontem foram rezadas missas de sufrágio. / Também a Câmara manda rezar amanhã uma missa por alma do extinto Presidente, às 9 horas e meia, na Igreja Matriz. / O sr. administrador do concelho convidou o comércio da vila a cerrar s suas portas ontem, dia do funeral. / Também a Câmara resolveu tratar na sessão próxima de dar o nome do sr. dr. Sidónio Pais a uma das ruas da vila.
  • Convite. / Missa / A Comissão Administrativa Municipal deste concelho, convida todos os habitantes desta vila e freguesias, a assistir à missa que no dia 23 do corrente, às nove e meia horas, manda celebrar na Igreja Matriz, desta vila, pelo eterno descanso de s. ex.ª o sr. presidente da República, dr. Sidónio Pais, barbaramente assassinado no dia 14 do corrente. O presidente João Machado da Silva

domingo, 20 de junho de 2010

história do cerco de lisboa




saramago e os possíveis escritores preferidos





In Público / Leituras (17 Out. 1998), pp. 1-2.


saramago e a ética

"Quando falo na Europa como uma referência ética, é porque estamos faltos de ética no mundo. Ética, não é a simples moral, não são regras - a ética tem que ver com uma atitude de espírito."
José Saramago
In Público (9 Out. 1999), p. 27

saramago, a imortalidade


Digo adeus à crónica amarga, à decepção que é a vida neste canto do planeta, irremeidavelmente a minha terra (e não quero outra), e contemplo, do alto do jardim, a noite de verão, o rio luminoso, esta paz não aprendida. Sei que amanhã tudo será diferente, que escreverei a crónica adiada - arma da minha guerra contra as indiferenças e as abdicações -, mas não quero ser ingrato deste esplendor. Deixo cair os braços, deixo que entrem em mim os eflúvios, os aromas, os sons, a riqueza da noite. E respiro devagar, como se respirasse a imortalidade.
José Saramago




saramago, conteúdo programático

  • ... tão certo é que do belo e do feio, da verdade e da mentira, do que se confessa e do que se esconde, fazemos todos nós a nosa casual existência. (A Cidade, p. 11)

  • Ninguém sabe nada de si antes da acção em que tiver de empenhar-se todo. Não conhecemos a força do mar enquanto ele não se move. Não conhecemos o amor antes do amor. (A Cidade, p. 12)

  • É este o efeito das palavras. Assentámos que não há outro meio de nos entendermos e explicarmos, e acabamos por descobrir que ficámos a meio da explicação, e tão longe do entendimento que bem melhor teria sido deixar aos olhos e ao gesto o seu peso de silêncio. (A Aparição, p. 19)

  • Estou diante de ti e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quandi nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, uma coisa que não faz parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha-vã e chão de barro. (Carta para Josefa, minha avó, p. 28)

  • E, contudo, é um homem sábio, calado e metido consigo, que só abre a boca para dizer as palavras importantes, aquelas que importam. Fala tão pouco (são poucas as palavras realmente importantes) que todos nos calamos para o ouvir quando no rosto se lhe acende qualquer coisa como uma luz de aviso. Fora isso, tem um modo de estar sentado, olhando para longe, memso que esse longe seja apenas a parede mais próxima, , que chega a ser intimidade. Não sei que diálogo mudo o mantém alheado de nós. (O meu avô, também, p. 29-30)

  • Não é bom olhar para o passado. O passado é aquele armário dos esqueletos de que falam os ingleses, gente discreta, de pouco sol e ainda menos alvoroço. Mas às vezes a memória, por caminhos que nem sabemos explicar, traz para o dia que se está vivendo imagens, cores, palavras e figuras. (O amola-tesouras, p. 33)
  • ... há nas coisas sentidos ocultos que só ocultamente podem ser entendidos. (O amola-tesouras, p. 34)
  • ... cada um de nós neste mundo a querer saber o que cá faz, ou pelo contrário, nada interessado em sabê-lo. Tudo isto, de uma maneira ou de outra, nos ocupa. E assim vamos passando o tempo, vagamente inquietos, vagamente perplexos, como actores que de repente se esqueceram do papel e olham desorientados, à espera da deixa que lhes permita tornar a engrenar no texto. É o caso: falta-nos a deixa. / Entretanto, nesta disponibilidade em que vivemos, pode acontecer (e acontece) que uma certa hora, um certo lugar, uma certa luz, nos façam viajar no tempo, viajar para trás, até outra hora, outra luz e outro lugar que generosamente nos tenham cumulado de promessas. vem-nos então o remorso de não ter sido, ou de ter sido menos do que a nós ficámos devendo. Parece complicado - e é simples. (Cair no céu, pp. 43-44)
  • Deixei-me ficar a ver o céu. Bem sabia que não iria cair para cima. O tempo reconstitui o que desfizera: achei-me quem sou eu e no mundo em que vivo. Vagamente inquieto, vagamente perplexo, primeiro, mas logo, enquanto enxugava uma gota de suor que me escorregava ao longo do pescoço, recobrei a lembrança da frase que me esquecera: «Não sei o que cá faço, e é importante que o saiba. Mas mais importante é fazer.» E para o meu lado direito me voltei, como quem se reconhece e entrega. (Cair no céu, p. 45)

  • Crónicas, que são? Pretextos, ou testemunhos? São o que podem ser. (Viagens na minha terra, p. 52)
  • As palavras são boas. As palavras são más. As palavras ofendem. As palavras pedem desculpa. As palavras queimam. As palavras acariciam. As palavras são dadas, trocadas, oferecidas, vendidas e inventadas. As palavras estão ausentes. Algumas palavras sugam-nos, não nos largam: são como carraças: vêm nos livros, nos jornais, nos slogans publicitários, nas legendas dos filmes, nas cartas e nos cartazes. As palavras aconselham, sugerem, insinuam, ordenam, impõem, segregam, eliminam. São melífluas ou azedas. O mundo gira sobre palavras lubrificadas com óleo de paciência. Os cérebros estão cheios de palavras que vivem em boa paz com as suas contrárias e inimigas. Por isso as pessoas afzem o contrário do que pensam, julgando pensar o que fazem. Há muitas palavras. (As palavras, p. 55)
  • Porque as palavras deixaram de comunicar. Cada palavra é dita para que se não oiça outra palavra. A palavra, mesmo quando não afirma, afirma-se. A palavra não responde nem pergunta: amassa. A palavra é a erva fresca e verde que cobre os dentes do pântano. A palavra é poeira nos olhos e olhos furados. A palavra não mostra. A palavra disfarça. / Daí que seja urgente mondar as palavras para que a sementeira se mude em seara. Daí que as palavras sejam instrumento de morte - ou de salvação. Daí que a palavra só valha o que valer o silêncio do acto. / Há também o silêncio. O silêncio, por definição, é o que se não ouve. O silêncio escuta, examina, observa, pesa e analisa. O silêncio é fecundo. O silêncio é a terra negra e fértil, o húmus do ser, a melodia calada sob a luz solar. (As palavras, p. 56)
  • As palavras não dizem tudo quanto é preciso. Diriam mais, talvez, se fossem asas. (São asas, p. 58)
  • Todas as minhas histórias são verdadeiras, só que às vezes me foge a mão e meto na trama seca da verdade um leve fio colorido que tem nome fantasia, imaginação ou visão dupla. Outras vezes não será nada disto, apenas o gosto ou a conveniência do jogo cifrado. (O cego do harmónio, p. 61)
  • ... nas mãos ou no coração? Se só as mãos sustentam a flor, a vida nos tentará com muita coisa que a flor não suporta: Sei o que digo. E a mesma vida vos carregará de trabalhos e amarguras, e então a flor será pisada e lançada fora. Resta-vos o coração. Se aí conservardes a flor, se é aí que já a tendes - então guardo a vossa resposta como um sinal precioso e uma promessa. E aqui vos agreço, esperança do mundo! (Hip, hip, hippies!, pp. 92-93)
  • ... todo o leitor é, por definição, inteligente... (A vida suspensa, p. 114)

  • A meta está num ponto qualquer, não sabemos onde, mas já que temos de atravessá-la, que seja (como direi?) em glória. Não se trata de aplausos, note-se. É, sim, o canto, o cântico, o hino, a simples ária íntima que dá a cadência do nosso passo acelerado. (A vida é uma longa violência, p. 126)
  • ... precisamos das palavras para continuarmos a ser. (A palavra resistente, p. 133)
  • Para além do horizonte, há espaço infinitamente. (A palavra resistente, p. 134)
  • Outras vezes me tem acontecido contar casos reais ou histórias inventadas, de tal maneira embrechadas que acabo por não saber onde acaba a realidade e onde começa a invenção. /A palavra resistente, pp. 134-135)
  • ... não há outro caminho senão aquele em que podemos reconhecer-nos em cada gesto e em cada palavra, o da resistente fidelidade a nós próprios. (A palavra resistente, p. 135)

  • Tenho um grande respeito pelos historiadores. Acho que desempenham uma tarefa de muita responsabilidade. Gosto deles honestos, objectivos, capazes de consumirem a vida a desenterrar uma verdade. E todo eu sou tolerância e compreensão para os erros de boa-fé - porque os arquivos nem sempre estão à mão de colher, porque entre mil interpretações de um facto é preciso escolher uma [...] Só não perdoo que se torcem os factos ao jeito de conveniências próprias ou alheias. Não se brinca com coisas sérias, e eu não sei de nada mais sério do que a história dos homens. (O Direito e os sinos, p. 147)
  • ... gosto das palavras (oh, se gosto!), mas quereria torná-las pequeníssimas, de modo a caberem muitas. E também quereria que elas fossem densas, carregadas de significação, de sentido, de força, de capacidade de acção. (Esta palavra esperança, p. 152)

  • ... pôr uma palavra adiante da outra, aqui na superfície da terra, e em particular neste desvão do planeta, é uma cto muito importante. Positivo, ou negativo. Será positivo se cada palavra for pesada e medida, restituída ao seu verdadeiro valor - e não usada como cortina de fumo ou porta para o museu das antiguidades retóricas. Será positivo se despertar em quem lê um eco que não venha da obscura condescendência da ilusão e do logro que dormita no fundo da passividade em que temos vivido. (Esta palavra esperança, pp. 152-153)
  • ... sou menos que uma sombra, nem sequer uma nuvem ou fantasma. Tenho a inconsistência da memória, mas também a realidade dela. E é desde que me encontro nesta situação que me sinto mais real, com uma curiosa impressão de eternidade que me lisonjeia. (Carta de Ben Jonson aos estudantes de Direito que representaram Volpone, p. 167)

  • Muitas vezes estas minhas prosas navegam nas barcas engrinaldadas, com acompanhamento de violinos poéticos, de efeitos de luz que vou buscar às transparências cristalinas, às rendas vegetais, aos esbatidos da visão aquática. É pendor de que me não libertarei nunca e de que (por que não dizê-lo?) não me envergonho. Mas hoje resolvi laquear secamente a veia lírica, estancar as efusões, pôr uma barreira adiante das imagens e das comparações. («Salta, cobarde!», p. 183)
  • Neste planeta terra, que os homens habitam, há horas de felicidade, sorrisos, amor, alguma beleza, flores para todos os gostos. E há os monstros. Não se distinguem de nós, que o não somos. Têm um lar, família, amigos, uma vida normal. São civilizados. («Salta, cobarde!», p. 184)

  • ... a terra, quando vista de longe, é como uma festa, toda em branco, verde e azul: uma espécie de noiva com imaginação. (O planeta dos horrores, p. 191)
  • Sou homem e desejo contribuir, na medida das minhas pequenas forças, para o progresso da humanidade a que me orgulho de pertencer. É muito importante este ponto. E espero, se algum dia me vierem pedir contas dos meus actos, isto é, do perjúrio cometido, que os não sei quantos biliões de homens e mulheres que há na terra tomem todos a minha defesa. (Um azul para Marte, p. 195)
  • Já foi dito que o homem é um animal de hábitos. De maus hábitos, sobretudo. E também não é novidade que o mesmo homem é um animal de mitos. Cria-os, submete-se, depois queixa-se deles, e, enquanto não se liberta, transforma a situação em manancial de obras várias e públicas, a que, simplificadamente, dá o nome de arte. O proveito que dos mitos vai tirando paga em abundância de juros os maus bocados por que o fazem passar. E se na realidade vem mostrar o fundo irracional do mito, o homem executa o salto mortal da transposição e da sublimação, como se paralelo ao mundo real houvesse (ou haja) outro mundo mais aprazível e habitável. São mistérios ainda por desvendar. / Vão os mitos acabando, e vão surgindo outros. Por enquanto, o homem não é capaz de viver sem eles, nem sei se alguma vez poderá dispensá-los, ou se lhe convirá. (Coração e lua, p. 199)
  • ... em algum lugar há-de estar a morada dos afectos. (Coração e lua, p. 201)

  • ... somos nós, e só nós, afinal, em corpo inteiro e alma acompanhante, a morada do amor. (Coração e lua, p. 201)
  • Céptico, talvez, mas não desinteressado. (A lua que eu conheci, p. 207)
  • ... companheira imaginação... (Um salto no tempo, p. 211)
  • Digo adeus à crónica amarga, à decepção que é a vida neste canto do planeta, irremediavelmente a minha terra (e não quero outra), e contemplo, do alto do jardim, a noite de verão, o rio luminoso, esta paz não aprendida. Sei que amanhã tudo será diferente, que escreverei a crónica adiada - arma da minha guerra contra as indiferenças e as abdicações -, mas não quero ser ingrato diante deste esplendor. Deixo cair os braços, deixo que entrem em mim os eflúvios, os aromas, os sons, a riqueza da noite. E respiro devagar, como se respirasse a imortalidade. (Noite de verão, p. 220)

  • ... pior do que ter tido e não ter já, é ficar aquém do que se sonhou. (As férias, p. 224)

  • Não há dois sorrisos iguais [...] temos o sorriso da troça, o sorriso superior e o seu contrário humilde, o de ternura, o de cepticismo, o amargo e o irónico, o sorriso de esperança. o de condescendência, o deslumbrado, o de embaraço, e (por que não?) o de quem morre. E há muito mais. Mas nenhum deles é o sorriso. / O sorriso (este, com maiúscula) vem sempre de longe. É a manifestação de uam sabedoria profunda, não tem nada que ver com as contracções musculares e não cabe numa definição de dicionário. Principia por um breve mover de rosto, às vezes hesitante, por um frémito interior que nasce nas mais secretas camadas do ser. Se move músculos é porque não tem outra maneira de exprimir-se. (O sorriso, p. 228)

  • Oponho à ironia o sorriso, este que é compreensão e serenidade, única arma contra o absurdo que vive paredes-meias connosco, couraça contra as agressões - estrada real que se quer desimpedida de miragens e alienações. E chamo-lhe a ferramenta perfeita de transformação, porque com ela sabemos o valor do que tomamos e abandonamos, porque já o sabíamos antes e estamos preparados. (O sorriso, p. 228)

uma flor


sábado, 19 de junho de 2010

saramago, vila nova de famalicão e camilo

Um dos raros momentos vividos em Famalicão e pelos famalicenses! Também andei por lá, como já notifiquei... Actualmente não existem os jornais "Vila Nova", o "Notícias de Famalicão", o "Opinião Pública/Revista" (de Famalicão) e de âmbito nacional "O Comércio do Porto".



In Cidade Hoje. V. N. de Famalicão (4 Mar. 1999), p. 9.


In Correio do Minho. Braga (25 Fev. 1999), p. 13.


In Diário de Notícias. Lisboa (2 Mar. 1999), p. 42.



In Diário do Minho. Braga (1 Mar. 1999), p. 9.




In Jornal de Famalicão. V. N. de Famalicão (5 Mar. 1999),


In Jornal de Famalicão. V. N. de Famalicão (20 Fev. 1999), p. 4.



In Notícias de Famalicão. V. N. de Famalicão (4 Mar. 1999), p. 12.


In Notícias de Famalicão. V. N. de Famalicão (12 Fev. 1999), p. 7.



In Notícias de Famalicão. V. N. de Famalicão (18 Fev. 1999), p. 1.


In O Comércio do Porto. Porto (3 Mar. 1999), p. 8.




In Opinião Pública. V. N. de Famalicão (12 Fev. 1999), p. 3.









In Opinião Pública. V. N. de Famalicão (5 Mar. 1999), pp. 2-3.




In Opinião Pública / Revista. V. N. de Famalicão (1 Abr. 1999), pp. 23-25.


In Vila Nova. V. N. de Famalicão (4 Fev. 1999), p.








In Vila Nova. V. N. de Famalicão (4 Mar. 1999), pp. 1-3.







In Vila Nova. V. N. de Famalicão (11 Fev. 1999), p. 2


In Vila Nova. V. N. de Famalicão (25 Fev. 99), p. 3