sábado, 7 de maio de 2011

a geração de coimbra de bernardino machado IV

"Estudar é viver. A aula deve ser como a vida, activa e livre"


"Saber é, antes de mais nada, saber amar."


Bernardino Machado



Indiscutivelmente, "A Geração de Coimbra de Bernardino Machado - I, II, III, IV", dedico ao Dr. Manuel Sá Marques, mais do que amigo do Museu Bernardino Machado, e, por sinal, tenho o prazer de disfrutar da sua amizade, sempre benevolente para comigo - esse é o meu privilégio. Sinto-me honrado com tal amizade. Assim sendo, o meu abraço fraternal de amizade.






Quando Oliveira Marques tenta identificar Bernardino Machado com a Geração de 70, o equívoco não deixa de ser curioso. Evoca a relação de Machado com a Geração de 70 nos seguintes termos: "A afamada Geração de 70 de 1865-70 [teve] entre as suas fileiras um homem de estado que raros se lembrariam de identificar com ela: Bernardino Machado..." Continua: "Em 1871, no período das Conferências do Casino, fazia vinte anos. Pouco importa que não tivesse participado activamente no movimento contestatário, anterior, de resto, alguns anos à sua maturidade plena como estudante de Coimbra. Por definição, integra-se nos outros jovens da sua idade. Aspirou o mesmo ar, ouviu as mesmas conversas, leu os mesmos livros, observou os mesmos costumes que os Eças, os Anteros, os Teófilos. Como eles formou o seu ideário que, com o deles, obedeceria a um denominador comum..." (Bernardino Machado. Lisboa: Edições Montanha, 1978, p. XV). Este denominador comum seria a liberdade, uma liberdade contra todo o género de ditaduras; e, neste caso, Bernardino Machado foi, ao longo de toda a sua vida, o caso mais singular e genuíno de todo o pensamento político de uma geração, fiel a si próprio, mantendo-se mesmo independente quando adere ao Partido Republicano, para o desenvolvimento de um País com a seguinte fórmula: a instrução ligada à cooperação social para o desenvolvimento económico. No seu texto "A Academia de Coimbra" é exemplar nesse sentido:
não só evoca, num primeiro sentido, "toda a elevação moral", para afirmar depois que o "programa do governo académico é, evidentemente, a instrução." Mas esta instrução não pode ser passiva, tem de ser essencialmente activa: "É a instrução industrial geral", diz-nos Machado, "que nos avigora para a acção". É claro que aqui nesta citação, Machado eleva a instrução para a educação física. Educação moral e física, eis os primóridos da instrução. Com estes requisitos, parte-se para o programa geral: "Uma instrução assim, que é logo convivência, união, é profundamente educadora, humanista. Cria esta religião de afectos...", para proclamar a revolução académica: a franca cooperação entre professor e aluno para estreitaram "cada vez mais os seus vínculos morais." E isto pela simples razão de que a academia ser "uma iniciação moral, uma escola de Governo livre." Este texto, de 1906, já evoca a República nos seguintes termos: "A República é a vida, a alegria, a paz, e ainda - por mais que pareça inverosímil em rapazes - a economia." Mas "A Academia de Coimbra", de 1906, vai mais longe e chega ao nosso propósito, e vai de encontro ao que nos diz Oliveira Marques: o convívio de Bernardino Machado em Coimbra e as suas leituras. Mas não vai só ao encontro de Marques, como igualmente afasta a sua hipótese da ligação de Machado à Geração de 70, mas sim à Geração de João Penha.A institucionalização escolar era uma actividade inerente ao curriculum universitário; mas as leituras e a convivência fraternal, seriam heterodoxas. Uma geração de escritores, políticos, cientistas e de juristas, preparando-se Machado para a causa republicana, desiludido com a Monarquia. Senão vejamos:



  • "Eu, a literatura, bebi-a todos os dias na Castália dos parnasianos da Folha, no gabinete do nosso popular Crespo, que, por sinal, tinha o requintado escrúpulo artístico de sujeitar os seus versos novos a serem lidos, de alto, logo à primeira, por um profano como eu. O quarto de Junqueiro, hoje pontífice máximo das letras, era também um tabernáculo da minha particular devoção. Foi lá que, um Inverno, que a geada caía em flocos cá fora, nós mal sentimos os seus rigores, abraçados pelas chamas do teatro de Hugo. E, assim como para Víctor Hugo tive Junqueiro, ainda pude ter António Cândido para Castelar, José Frederico Laranjo lia-me em Platão e Xenofonte os diálogos de Sócrates, averbando-me de sofista, quando eu, irreverentemente, objectasse. E era ele também que, palpitante de esperanças redentoras, me recitava o verbo cordial do socialismo tanto no positivista Saint-Simon como no utópico Fourier, Proudhon, ouvi-o ainda antes, sobretudo nos trechos mais contundentes, a Marçal Pacheco, que, dizendo-se vingador duma série infinita de proletários espoliados, seus ascendentes, afiava as armas de polemista para o áspero strugle for life. Com Alves da Veiga discuti gravíssimos problemas filosóficos e sociais. E eu mesmo ajudei, várias vezes, ínsignes jurisconsultos futuros, em conjuntura de actos de exame, a argumentarem os seus pontos; até, para meu eterno desvanecimento, corria entre eles, com apreço, ousada interpretação heterodoxa do artigo do código civil em que eu, rebelde naturalista, me abalançara a dissentir do consagrado comentário do Sr. José Dias Ferreira. Aqui têm como entrei pelo direito, e, quase diria, como já então me preparava para as revoltas republicanas. / Esta comunhão intelectual da academia faz-se por toda a parte, mesmo ao ar livre, às vezes até melhor. Correia Barata, o talentoso propagandista do darwinismo, demonstrava-nos a origem simiana do homem dependurado, à noite, dos galhos das árvores da alameda da Universidade. E para este choque e transmissão de ideias contribuem todos os alunos, desde os médicos mais materialziantes até aos mais sobrenaturalistas teólogos. Advertirei mesmo: os teólogos são preciosos. Esgrimindo com eles, com a sua pertinaz escolástica, vão os outros temperando a razão para rebater todos os assaltos da heresia [...] / As leituras, palestras e distracções da mocidade influem por toda a vida; e só elas explicam certos aspectos picantes da idade madura. O socialismo cósmico por que, ultimamente, se manifestou o génio de Guerra Junqueiro, não me surprendeu a mim, com quem ele aqui trocara o seu exemplar Da Inteligência de Taine pela obra de Maury sobre as correntes marítimas que eu possuía. Ao partir de Coimbra, formado, ele metia nos seus baús mais volumes de leis físicas do que de leis humanas. Quem lê as páginas florentinas de Augusto Fuschini, e o Vê dissertando de arte e predidindo à reconstrução da Sé de Lisboa, desconhece, provavelmente, que ele tinha sobre a banca de José Falcão, de quem era companheiro de casa, ali aberto desde o tempo de Antero de Quental, o Quinet, e que, ao passo que em estudante se aguerria contra o Conde de Ávila com o panfleto As Conferências do Casino e a Reacção, manueseava, estudiosamente, as memoória de Mouzinho e de Murphy sobre o Mosteiro da Batalha. [...] / Por vezes sucede que estas influências recíprocas de Faculdade para Faculdade, duns para outros estudos, não se limitam a dar enlevo e horizonte à especialização da aula, tornam-se predominantes, são elas que estimulam e acalentam, no aluno, a sua verdadeira especialidade, que desenvolvem e fazem vingar a sua vocação original. A aula então passa para o segundo plano, quando mesmo não desaparece. Vejam Teixeira de Queirós, Estudante laureado pelos seus professores, mas o principal do seu labor académico foi a Comédia do Campo, que ele, timidamente, sumetia ao juízo magistral de João Penha. Multipliquem-lha pelo seu curso de Medicina e terão em gérmen o Bento Moreno todo. Exemplo da segunda espécie espécie, o contista Alberto Braga, que nunca deu uma falta nas suas aulas livres, donde saiu com brilhantes informações de conversador, e que, com igual regularidade, perdeu todos os anos nas aulas oficiais, sem embargo de toques de cabra e de bedéis." (Bernardino Machado - Obras: Pedagogia - III. Introd. Norberto Ferreira da Cunha. V. N. de Famalicão: Câmara Municipal, Museu Bernardino Machado, Edições Húmus, 2010, pp. 272-279).


È precisamente esta geração "de tão belos espíritos", como Bernardino Machado a designou, principalmente Alberto Braga, Gonçalves Crespo e João Penha, que o Museu Bernardino Machado, vai promover no projecto pedagógico "Família nos Museus", estando presente o animador e declamador o Prof. Fernando Machado, que vai declamar textos dos autores referidos, no dia 14, pelas 15h00, antecipando a actividade da "Noite dos Museus", com a presença de Júlio Machado Vaz.

a geração de coimbra de bernardino machado III



Gonçalves Crespo

(1846-1883)







A. de Magalhães Basto - "Falam Velhos Manuscritos... Bernardino Machado, Gonçalves Crespo, João Penha e Junqueiro, Estudantes de Coimbra". In O Primeiro de Janeiro (9 Jan. 1959).






a geração de coimbra de bernardino machado II




João Penha

(1838-1919)









A. de Magalhães Basto - "Falam Velhos Manuscritos... Há Quarenta Anos Faleceu João Penha". In O Primeiro de Janeiro (13 Fev. 1959).












a geração coimbra de bernardino machado I