quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

hermann hesse

CULTURA


  • "A verdadeira cultura não é aquela que almeja um determinado objectivo mas sim aquela que, como acontece em qualquer procura da perfeição, tem o seu próprio significado ínsito. Tal como a procura da força, da agilidade e da beleza física não tem um objectivo próprio definitivo (por exemplo, o de nos tornar ricos, célebres e poderosos), antes encontra em si mesma a sua recompensa, na medida em que exalta o nosso sentido vital e a nossa confiança em nós próprios, nos torna mais alegres e mais felizes e nos dá uma maior sensação de segurança e de saúde, também a procura da «cultura», ou seja, de um aperfeiçoamento intelectual e espiritual, não é um fatigante caminho em direcção a uma meta bem precisa, antes sendo, pelo contrário, um fortificante e benéfico alargamento da nossa consciência, um enriquecimento das nossas potencialidades de vida e de alegria. Por isso, a verdadeira cultura, tal como a educação física, é, ao mesmo tempo, um estímulo e uma satisfação, atinge sempre o alvo mas não pára em lugar algum, é um proceder no infinito, um vibrar em uníssono com o universo, um viver com isso fora do tempo. O seu objectivo não é o desenvolvimento de uma única faculdade ou capacidade; essa ajuda-nos, principalmente, a dar um sentido à nossa vida, a interpretar o passado, a abrirmo-nos ao futuro com corajosa prontidão." (9)
LITERATURA
  • "Entre as vias que conduzem a esta cultura, uma das mais importantes é o estudo da literatura universal, o adquirir, pouco a pouco, familiaridade com o imenso tesouro de pensamentos, experiências, símbolos, fantasias e miragens que o passado nos deixou em heranças nas obras dos poetas e dos filósofos de muitas nações. Esta via é interminável, ninguém a poderá alguma vez percorrer até ao fim, ninguém conseguiria esgotar o estudo e o conhecimento da inteira literatura de um único povo civilizado, para não falarmos daquela humanidade inteira. Porém, por outro lado, cada nosso ingresso inteligente na obra de um grande poeta ou de um importante filósofo é uma experiência feliz e satisfatória, que acrescenta em nós não uma soma de noções mortas mas antes a nossa consciência viva e a nossa compreensão. Aquilo que nos deve importar não é termos lido e conhecer o mais possível mas sim, através de uma escolha livre e pessoal de obras-primas às quais nos dedicaremos plenamente nas nossas horas livres, fazermos uma ideia da grandeza e da abundância daquilo que o homem pensou e desejou, e de nos situarmos numa relação de vivificante conformidade com a soma das coisas, com a vida e com o pulsar da humanidade. Este é, no fundo, o significado de toda a existência que não se limita à pura necessidade material. A leitura não deve, de modo algum, «distrair-nos» mas sim concentrar-nos; não nos deve fazer esquecer uma vida sem sentido, nem aturdir-nos com uma consolação ilusória antes devendo, pelo contrário, contribuir para dar à nossa vida um significado sempre mais elevado e mais pleno." (10)