sexta-feira, 5 de novembro de 2010

pensar portugal

O jornal "Público" de hoje revelou o relatório do Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento (PNUD), no qual Portugal ocupa o 40.º lugar, perante indicadores próprios, revelando uma insatisfação dos portugueses, não abundando a felicidade, sendo um país onde melhor se vive. Não haverá aqui, contudo, algo paradoxal e algo que este relatório esconde, ou poderá esconder? Hoje, na hora do almoço, o FMI, leio em nota-de-rodapé no noticiário, avisa que Portugal está em bancarrota perante os mercados financeiros, por causa da dívida pública. Como poderá a sociedade portuguesa estar feliz? O relatório do PNUD salienta os seguintes níveis de insatisfação dos portugueses: o crime, habitação a preços acessíveis, o trabalho infantil e os baixos valores que se verifica nas conclusões do secundário, é muito pouco para realçar a insatisfação dos portugueses. Há outros motivos para que tal suceda, para que haja uma desmotivação social portuguesa, diria mais, uma passividade angustiante sem uma intervenção crítica, parecendo anestesiada. O relatório do PNUD parece um relatório fora da realidade. Um país como Portugal que atingiu dois milhões de pobres; um país como Portugal corrupto; um país como Portugal cuja sociedade se tornou subsidiária estatalmente; um país como Portugal cujos partidos estabelecem acordos esquecendo os eleitores, eis a hipocrisia partidária, faltando apenas acordar entre eles quem toma o poder; um país como Portugal que desbaratou o estado social, criando a ilusão dos subsídios; um país como Portugal que não fomenta um estado social forte para o crescimento da população, e, antes pelo contrário, corta nos abonos de família - actualmente, somos uma população envelhecida; um país como Portugal que tem um governo que não sabe tomar decisões, sempre indeciso consigo próprio; um país como Portugal que tem um governo que sou dividir a sociedade portuguesa em duas, numa pública e noutra privada; um país como Portugal que passa a vida a criar novos impostos com baixos salários, estes sempre congelados, não existindo poder de compra e falta de investimento - daqui a pouco não há ordenados para pagar impostos!; um país como Portugal endividado pelo crédito mal-parado, das famílias e das empresas, parecendo este assunto uma espécie de tabu; um país como Portugal que não pensa sobre si próprio, até porque já não é preciso um nível instrucional por aí além para alguém que queira ingressar num curso de humanidades, caso de filosofia, não aparecendo sequer em muitas faculdades a média de ingresso; um país como Portugal que sustenta o trabalho precário; um país como Portugal cujos políticos apelam à cidadania participativa, acabando-a por trair, existindo hoje quase uma espécie de democracia camuflada... Por mais incrível que pareça, no Brasil, muito mais abaixo do que nós nesse mesmo relatório, os brasileiros são mais felizes que os portugueses. Tudo isto lembra-me, e, mais alguma coisa poderá ter ficado esquecido, de um texto de Bernardino Machado de 1895 intitulado "Guerra ao Banditismo Político!". Neste texto Machado, avulta-nos três ideias: a primeira que gostaria de salientar é, nas suas palavras, que "são conhecidos os acordos eleitorais, em virtude dos quais os partidos conseguiram mais do que falsificar a eleição; suprimiram o eleitor"; depois, a segunda ideia, e nas palavras de Machado, é que as "facções " partidárias lançam "os seus tentáculos para sugarem a vida do país, nos empobrecem e aviltam." Finalmente, a terceira ideia que se aplica na realidade de hoje, mais de um século depois, é que "a corrpução política cada vez mais exaspera a paciência pública com os escândalos que sucessivamente vêm à supuração." É caso para dizer que apenas mudam os actores políticos e a mentalidade permanece a mesma, apesar de estarmos a mais de um século de distância! E quando se apelava ao diálogo, pensava: mas, em vez de se apelar ao diálogo para a sustentabilidade governamental e parlamentar, porque não um safanão crítico e sustentado contra o orçamento do estado para 2011, quando todos os agentes políticos afirmam ser um mau orçamento? A hipocrisia política é esta mesma. Somos um país sem referências éticas, completamente à deriva. Deixo aqui umas reflexões de Manuel Antunes na interpretação de José Eduardo Franco, retirando as ideias principais para a importância da ética na sociedade e da evolução mental da mesma.





  • "A preocupação maior de Manuel Antunes era que o modelo de desenvolvimento fosse um modelo de humanismo integral: ou seja, um progresso que promovesse o homem na totalidade das suas faculdades e aspirações profundas. Temia, por isso, um desenvolvimento parcelar que desenvolvesse exageradamente certas dimensões e subdesenvolvesse outras, tornando assim o crescimento humano deficiente. Para evitar tais enfiesamentos defendia a prossecução de um desenvolvimento assente nos mais altos valores humanos em todas as fases etárias. Assim sendo, o modelo de sociedade que concebia deveria ter o homem por centro e nele a política, a cultura,a economia e todos os ectores vivos do existir social deveriam estar vinculados e iluminados pela ética. Para alcançar a realização desta "utopia social" aponta quatro grandes caminhos que deverão ser percorridos e vividos: "o conhecimento político, a capacidade de agir política, convicções básicas e carácter, principalmente carácter. Por isso advoga que, para que o projecto democrático tivesse sustentabilidade e solidez a longo prazo, a revolução política, económica e social acontecida em 1974 deveria ser completada com uma revolução moral: " Procedeu-se a uma revolução política. Procedeu-se a uma revolução económica e social. Procedeu-se até certo ponto a uma revolução cultural. E a revolução moral? Sem ela as outras revoluções correm o risco de não passarem de preversões. Sem ela, uma corrupção sucede fatalmente a outra corrupção, ou talvez pior, a antiga perpetua-se." Os grandes eixos axiológicos dessa revolução moral são a realização da justiça e a adopção de uma cultura de solidariedade pela vivência sábia da liberdade, que não a libertinagem ou a anarquia; assim como o cultivo dos valores da honestidade e da transparência verdadeira, de modo a criar confiança nas instituições e dar crédito ao Estado. Mas ao mesmo tempo não descura o autor a importância do realismo na realização desta revolução: "Uma revolução moral que seja no entanto realista, renovando as instituições existentes... Uma revolução moral que tenha a coragem de afirmar na prática, dentro da sensatez e dentro do equilíbrio, a norma teórica da coactividade do Direito. Uma revolução moral que estabeleça o primado da produtividade sobre a propriedade - estatal ou outra -, da cultura sobre a economia, do ser sobre o ter, da comunidade sobre a sociedade." (19-20)
  • "Do ponto de vista pragmático, Manuel Antunes defende que os programas políticos devem ter como prioridades incontornáveis a correcção das assimetrias materiais e culturais do país, nomeadamente o desigual dualismo, cada vez mais desmesurado, entre o litoral e o interior, entre o Continente e as Regiões insulares, entre os pólos urbanos e os pólos rurais, de modo a superar a tendência para a criação de regiões muito desenvolvidas e outras carentes de infra-estruturas que possibilitem um real progresso. No que respeita à praxeologia política defende a imoportância de combater os chamados vícios-atavares, que atacma e perigam corroer qualquer sistema democrático, como já aconteceu num passado não muito longínquo, desde o liberalismo. Quatrop grandes objectivos estruturais de acção são propostos, como imperativos programáticos a realizar para desmantelar os vícios a eles inerentes: desburocratizar, desideologizar, desclientelizar, descentralizar. Desburocratizar implica antes de mais simplificar os desdobramentos e complicações burocráticas, que lentificam e atrofiam a celeridade dos procedimentos para o fomento das estruturas que desenvolvam o país. Desideologizar enquanto atitude de recusa do fanatismo ideológico, e não como forma de propugnar o fim das ideologias. Desclientelizar significa inibir a tentação dos movimentos partidários para a criação de círculos clientelares que parasitam o poder e o Estado, instaurando sistemas de corrupção e injustiça. E descentralizar significa antes de mais a partilha do poder, contra a tentação de centralismo avassalador que impede as comunidades locais de terem parte nas decisões para a resolução dos seus problemas." (19-21)
  • "Urge que se opere uma verdadeira palingenesia através de uma nova educação, capaz de "aprender a conjugar o realismo político e a esperança", pois "é necessário saber trocar a aventura mercantil pela aventura do espírito", capaz de prevenir os "sebastianismos endógenos" e os "imitacionismos exógenos", isto é, capaz de dar a Portugal um caminho próprio, natural, que permita a assunção plena da sua identidade e do seu modo de estar e de viver no mundo. Só por este desejo interior de renovação, de palingenesia, de mudança de mentalidade se tornará possível "retomar a história do nosso País, só assim será possível a re-invenção de Portugal por Portugal, a recriação de Portugal por Portugal. Através da democracia como espaço de liberdade e da comunidade, da subjectividade e da legalidade, da consensualidade e da soberania popular." (21)

Público - Portugal está entre os países onde melhor se vive, mas nem por isso é feliz

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