quinta-feira, 12 de agosto de 2010

teixeira de pascoaes e bernardino machado

Este texto de Teixeira de Pascoaes, que o dedico ao Dr. Manuel Sá Marques, foi publicado no jornal "O Mundo", em 3 de Janeiro de 1905. Pelo seu contexto, parece-me que Pascoaes esteve presente na sessão da Sala dos Capelos. Nunca pensei que Pascoaes tivesse, alguma vez, escrito alguma coisa sobre Bernardino Machado! Para mim foi uma surpresa. Espero que o Dr. Sá Marques goste desta prenda, com um abraço fraternal de eterna amizade. O desenho de Pascoaes retirei-o do livro "A Teixeira de Pascoaes", Coimbra, A Academia de Coimbra, 1951.



A "ORAÇÃO INAUGURAL"
DE

BERNARDINO MACHADO


Estava eu bastante doente quando a Oração Inaugural de Bernardino Machado, obra sublime de Verdade e de Justiça, deslumbrou a nocturna «Sala dos Capelos». Foi a primeira luz que se fez naquela espessa penumbra moral e intelectual. Há pouco tempo ainda consegui ler essas páginas imortais, onde vibra vitoriosamente um hino de amor e de esperança e onde transparece, num esplendor de glória, uma alma rara e puríssima de Eleito. / Que admiração estupenda ampliou a minha alma! / Que gratidão infinita eu senti por esse espírito heróico que concebeu tal discurso libertador! / Que o concebeu e recitou com a firmeza inabalável e férrea serenidade de que apenas são capazes os que acreditam no que dizem. / Bernardino Machado é um sincero e um crente. Em todos os seus livros preciosos e discursos extraordinários, a frase é simples como a sinceridade e firme como a Fé. Por isso ele arrebata e converte, e tão rapidamente fez sentir ao povo que nele existia a vontade realizadora das mais justas e legítimas aspirações populares. E assim é.




Nunca vi este homem perfeito percorrer uma rua, sem que os olhos dos transeuntes o não seguissem, comovidos. Quantas vezes o encontrei no meio de crianças esfarrapadas que lhe sorriem e de mendigos e de mendigos que o abençoavam! Em Coimbra, principalmente toda a gente pobre e trabalhadora o estremece. / Bernardino Machado é um ar saudável e benfazejo para aquelas almas oprimidas e sufocadas. Entra nos casebres miseráveis como um raio de luz num subterrâneo, e aparece do meio das multidões ansiosas e revolucionárias, como uma força orientadora e imperecível. / Não representa só uma aspiração política, mas também uma aspiração religiosa. Não é apenas o cidadão modelo, é um Homem. Não vive somente dentro das fronteiras portuguesas; vive também na humanidade. Não se apresenta apenas nos comícios a pugnar pelo ressurgimento da nossa raça, aparece também nas choupanas dos famintos e oprimidos a aliviar desventuras e desgraças. / Bernardino Machado é o Raciocínio e o Sentimento. / A Oração de Sapiência, deste ano, é o discurso meditado e sentido que se ouviu na Sala dos Capelos. / Foi o primeiro sorriso de fraternidade dirigido por um mestre aos estudantes, e a primeira palavra anunciadora dum ensino moderno, livre e verdadeiro que será o factor primacial da salvação do País; mas foi, também, consequentemente, uma palavra destruidora. / Ele abalou em todos os seus fundamentos, o velho e o jesuítico cavento universitário. / Destruiu o velho tempo para edificar o novo Templo. / Por isso, a oração de Bernardino Machado é um verdadeiro facto histórico, duma importância enorme. É a única página bela da nossa História, nestes últimos tempos.








Já fui, infelizmente, estudante, de direito; vivi durante cinco anos naquela inquisitorial e miasmática atmosfera da Universidade, envenenadora de almas. / Ouvi muitas Orações de Sapiência. / Eram sermões fúnebres e sonolentos, cheirando a velhos latins da igreja, cobertos de teias de aranha de arqueológicas teorias, todas sujas do pó de ideias que morreram há muito, tresadando à terra infecta das prisões do Santo Ofício, que nos deixavam a nós, estudantes uma impressão, uma impressão terrível de asfixia, que nos causavam náuseas e enjoos intelectuais, como se nossos espíritos vogassem sobre encapeladas ondas de estupidez. / Que diferença entre essas e roufenhas ladaínhas e a oração do dr. Bernardino Machado! Verdadeira oração da religião moderna! Religião da Vida que há-de dar aos corpos a beleza da saúde e da força e as almas a perdição moral que reside na suprema Justiça. / O sublime discurso de Bernardino Machado é um canto aureoral de Amor e de Liberdade que inundiou a alma da oprimida mocidade portuguesa de radiosa esperança num futuro melhor. /





Bernardino Machado, ao subir à cátedra, na Sala dos Capelos, devia ter causado aos estudantes a impressão de um sol que se levanta! E as sombras negras, sinistramente sentadas nas cadeiras doutorais, gelaram concerteza de pânico, ante a invasão súbita da Luz. Luz que não acalentou simplesmente a alma da mocidade portuguesa, mas também a de todos os portugueses que ainda são puros e inteligentes e que trabalham na formação dum novo Portugal honrado e livre. / Refiro-me ao povo sofredor, que tem numa mão o cabo da enxada e na outra o Futuro. / O povo é a única parte sã da nossa sociedade. Só ele poderá florir e frutificar. É terra inculta e virgem, a vida de sentir germinar no seu seio glorificando a semente do Ideal. O resto é podridão e esterilidade. As nossas chamadas classes preponderantes agonizam num charco de criminoso egoísmo e da estupidez, sem uma crença, sem uma ideia. E são elas que, apoiadas na força bruta das espingardas, tentam perder um Povo e assassinar uma Pátria! Desgrado País, este, submetido a um regime criminoso e horrendo, que, há pouco tempo ainda, se definiu claramente, condenando a inocência, em Olhão, e tentando, no Porto, massacrar o Génio. / É um regime que não se limita a atentar contra a riqueza material da Nação. O criminoso quer ir mais longe na prática de seus crimes. Quer assasinar o Espírito, esse fantasma que o aterroriza! Quer rastejar no lodo infecto, sem nada que o incomode. Puro engano! Pura ilusão! O pântano há-de ser enxuto, o foco pestilento há-de ser destruído. / As palavras redentoras de Bernardino Machado, heróico obreiro, da nossa regeneração, que nova energia, que novo vigor insuflaram em todas as almas que esperam ver este morto Portugal quebrar a tampa do túmulo e ressurgir à luz bendita da Liberdade e da Justiça! Eis o motivo porque essas palavras são sagradas e divinas, são imorredoiras, e merecem o nosso eterno reconhecimento. Bernardino Machado é um dos grandes portugueses que mais merece o amor e a gratidão do povo.

Teixeira de Pascoaes

s. bento

O santo da minha rua, S. Bento. Quando alguém me leva a casa, dizem logo que moro numa rua santificada. Se é santificada ou não, não sei, mas que é um sossego, lá isso é. Então ao Domingo, não se ouve nada. Sítio explêndido para sestas prolongadas e leituras e escritas e para mais alguma coisa se for caso disso LOL...