domingo, 12 de dezembro de 2010

seide, ponto do universo


"Quando se escreviam bacamartes para as gerações sofredoras, que os leram, o sábio repunha aí em azedo vómito as indigestas massas, que ainda agora resistem ao dente roaz da carcoma e da ratazana, nos lotes esboreados das bibliotecas. / O in-fólio era uma crança, um a religião, uma faculdade daquelas gordas almas, que ressumavam pingue chorume por três mil páginas em tipo-breviário. / Não vos faz melancolia ver a lombada desses enormes volumes aprumados numa estante? Não há naquele aspeito triste alguma coisa que vos faz crer que o in-fólio chora pelo frade? / Agora não se escreve daquilo, posto que o saber humano seja mais vasto, e opulentado com as vigílias de dois séculos laboriosos. Reina o romancista, que é o sucessor do frade, na ordem das inteligências produtivas. Ora, o romancista há-de, por força, de sua natureza científica, despejar no romance a ciência que lhe traz entumecido o estômago intelectual; e o romance, assim, deixará de ser lido, se o conselho superior de instrução pública não organizar os estudos de modo a que as ciências transcendentes, em consórcio com a natureza física, desbravem o espírito-charneca de muito leitor sandio..."
Camilo, O Que Fazem Mulheres

seide, ponto do universo

"Grande há-de ser o merecimento da poesia, personalizada, deixem dizer assim, no poeta para resistir à negligência sisuda dos que, fartos das suas, prescindem de assistir às lástimas alheias! Esse grande merecimento há-de consistir em três preciosas qualidades: primor da linguagem, conhecimento do coração, e elevada filosofia, tão elevada filosofia, tão elevada que a personalidade do autor desapareça nela, e fique a humanidade."
Camilo





apresento hoje algumas raridades bibliográficas poéticas de camilo, as quais possuem colaboração sua. tendo sido a sua poética uma redescoberta constante ao longo dos anos (sendo a última a edição de ernesto rodrigues, com uma excelente introdução, livro já aqui falado), antologiado, chega lembrar um nome que rompeu com a tradição dos estudos camilianos que dizia que a poética camiliana nada trazia de novo aos estudos camilianos; e esse nome é indiscutivelmente o do dr. manuel simões, que revaloriza os estudos poéticos perante a ficção. para além das capas de algumas raridades bibliográficas, acrescento os pseudónimos poéticos de camilo, dos quais (num trabalho de investigação de outros tempos sobre as poesias dispersas de camilo, deixando aqui a primeira página desse trabalho inédito, e assim há-de continuar - aos anos que isto foi feito, intitulei então esse trabalho de "bibliografia poética camiliana", a que lhe chamei de "tábua alfabética de camilo") aponto, nada mais, nada menos, dezoito: a.e.i.o.u.y, anónimo, bacharel salomão 2, c. b., carolina da veiga castelo branco, herodes 4, joão g., joão junior, manuel côco, modesto, ninguém, o peneiro, um anónimo, o antigo juíz das almas de campanhã, ?, **, ***. nomes que camilo usaria, igualmente, nas suas crónicas nos jornais portuenses. camilo publicou (ou as veria possivelmente publicadas), as suas poesias, e falamos em vida, para além dos mais variados pontos geográficos (portugal e brasil) em 64 títulos de feição ideológica e cultural completamente diferentes, tais como almanaques, periódicos e revistas literárias. ele próprio publicou dois seminários religiosos, "a cruz", o "cristianismo" e o número único satírico com o título "o bico de gaz". a imprensa famalicense não fugiu há regra. foi o caso de "a alvorada" e da "nova alvorada" e de "o leme", por exemplo. existem outros casos mais paradigmáticos, caso do "estrela do minho". joaquim de azuaga, director da primeira revista famalicense (e já agora agradecia qualquer informação sobre azuaga), deu sempre destaque a camilo ("a alvorada"), assim como a sua precedente ("nova alvorada", esta dirigida por sousa fernandes, sebastião de carvalho e justino de montalvor). ficam estas curiosidades registadas. ah, a citação de camilo é das suas crónicas fantásticas nos jornais portuenses, neste caso em "o nacional", de 1856.