domingo, 12 de dezembro de 2010

seide, ponto do universo


"Quando se escreviam bacamartes para as gerações sofredoras, que os leram, o sábio repunha aí em azedo vómito as indigestas massas, que ainda agora resistem ao dente roaz da carcoma e da ratazana, nos lotes esboreados das bibliotecas. / O in-fólio era uma crança, um a religião, uma faculdade daquelas gordas almas, que ressumavam pingue chorume por três mil páginas em tipo-breviário. / Não vos faz melancolia ver a lombada desses enormes volumes aprumados numa estante? Não há naquele aspeito triste alguma coisa que vos faz crer que o in-fólio chora pelo frade? / Agora não se escreve daquilo, posto que o saber humano seja mais vasto, e opulentado com as vigílias de dois séculos laboriosos. Reina o romancista, que é o sucessor do frade, na ordem das inteligências produtivas. Ora, o romancista há-de, por força, de sua natureza científica, despejar no romance a ciência que lhe traz entumecido o estômago intelectual; e o romance, assim, deixará de ser lido, se o conselho superior de instrução pública não organizar os estudos de modo a que as ciências transcendentes, em consórcio com a natureza física, desbravem o espírito-charneca de muito leitor sandio..."
Camilo, O Que Fazem Mulheres

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