terça-feira, 7 de junho de 2011

a espanha de blasco ibañez

sessão da homenagem a blasco ibañez na sociedade de geografia, promovida pelo centro democrático académico em 16 de maio de 1909. fotografia retirada do blog do dr. manuel sá marques, do dia 12 de janeiro de 2010




para yoli, republicana convicta, este texto belíssimo de bernardino machado sobre a espanha cultural, texto lido no almoço que foi oferecido ao republicano espanhol em Lisboa, no dia 18 de Maio de 1909. a república portuguesa avizinhava-se.






Saúda em Blasco Ibañez a Espanha, a Espanha culta, que, não há muito ainda, quase ao mesmo tempo era glorificada na sua arte, na sua indústria e na sua ciência – Estocolmo conferia o Prémio Nobel ao dramaturgo Echegaray, Londres solenizava o aniversário do invento do laringoscópio por Manuel Garcia e a Academia de Berlim fazia seu sócio o sábio Tamon y Cajal – Nação admirável, que tem para celebrar as suas glórias passadas uma personalidade tão eminente como Menendez Pelayo, que vale por uma Academia inteira, e tem para lhe rasgar o horizonte das glórias futuras a personalidade extraordinária de Joaquim Costa, que é só por si como se fosse uma faculdade inteira de direito moderno.
Saúda a Espanha liberal, onde há hoje um grande Partido Republicano, com brilhante representação no Parlamento e nos municípios, cuja força profunda e incontestável se acaba de demonstrar rijamente nas últimas eleições, e onde o Chefe do Estado envia os seus cartões de cumprimentos aos presidentes do Senado e do Congresso, onde o Senado é já em parte electivo e o Congresso eleito pelo sufrágio universal, e onde o conservador Maura combate dentro do próprio partido a política do poder pessoal, do engrandecimento do poder real, e propõe e faz vingar uma lei de governo local, largamente descentralizadora.
Saúda a Espanha trabalhadora, onde se vai operando uma poderosa organização associativa de classe, e onde o Ministério das Finanças Villaverde fez mais do que equilibrar as despesas com as receitas, porque levou o orçamento e as contas do Estado até ao superavit, onde os governos têm sucessivamente reduzido os impostos de consumo e onde os partidos no poder se empenham em promulgar leis de justiça e protecção ao operariado.
Saúda a progressiva Nação espanhola, em que não só figuras tão extremadas na vida pública, como eram entre si ainda há pouco Galdés e Pereda, se abraçam no trato particular, mas em que Maura procura Azcárate e Labra para os ouvir sobre as questões nacionais pendentes mais graves, em que o Ministro Marquês de Figueiroa, conservador e católico, se incorpora, em nome do Governo, no saimento do republicano e livre pensador Salmeron, em que os poderes públicos não duvidam nomear para o Instituto de Estudos Sociais os professores republicanos Builla e Posada e eles não duvidam aceitar a nomeação, em que Madrid, por acordo e com aplauso geral, remove duma das suas mais belas praças o obelisco comemorativo dum nascimento principesco para o substituir pelo monumento ao príncipe da eloquência tribunícia, Castelar. E ainda tem nos ouvidos os vivas à República que, perante esse majestoso monumento, o povo, levando entre si Moret, ergueu, em meio da impassibilidade da polícia, no último aniversário da Revolução de Setembro.
Para essa obra de sociabilidade e de colaboração mútua tem contribuído imenso, cimentando a união íntima da juventude espanhola, a Instituição Livre de Ensino de Madrid, à frente da qual está um dos primeiros educadores do nosso tempo, D. Francisco Giner. Por isso, dirige-lhe também dali as suas saudações.
Neste movimento de solidariedade nacional, nesta penetração de ideias e sentimentos humanistas de tolerância, vê-se bem o espírito novo que avança serenamente e dominadoramente. À custa de quantas lutas, a preço de quantas dores e angústias, de quantos sacrifícios da democracia? Ai! Imagina-o.
E há uma província de Espanha, onde esse espírito novo tem a pujança, a exuberância do solo natal; é Valência.
De Valência é Soriano, é o republicano Luís Sinarro, insigne histologista e psicólogo, é o brilhante escultor republicano Benlliure, é o republicano Sorolla, o afamado pintor, é o republicano Morote, o enorme jornalista mundial, cheio de talento e de atracção, nosso inolvidável amigo muito querido, a quem tanto e tanto devemos das simpatias da opinião pública da Espanha para connosco, quando, em luta pela liberdade contra o despotismo, tivemos cruelmente contra nós a imprensa de todas as outras nações, até da liberal Inglaterra, até da republicana França, e é o republicano Blasco Ibañez, o prodigioso homem de letras que temos a honra de hospedar neste momento.
Saúda efusivamente a Blasco Ibañez, e, para o fazer, traz-lhe mais do que a sua pobre palavra, traz-lhe um abraço carinhoso de Guerra Junqueiro.

Bernardino Machado - "Blasco Ibañez". In Pela República: 1908-1909 - II. Lisboa: Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1910, pp. 547-551; "Em honra de Blasco Ibañez. Homenagem dos republicanos portugueses. O almoço de hontem no Grande Hotel de Inglaterra. O sr. dr. Bernardino Machado saúda a Hespanha politica e abraça Blasco Ibañez em nome de Guerra Junqueiro". In O Mundo, Lisboa, Ano 9, n.º 3067 (19 Maio 1909), p. 1.