
para yoli, republicana convicta, este texto belíssimo de bernardino machado sobre a espanha cultural, texto lido no almoço que foi oferecido ao republicano espanhol em Lisboa, no dia 18 de Maio de 1909. a república portuguesa avizinhava-se.

Saúda em Blasco Ibañez a Espanha, a Espanha culta, que, não há muito ainda, quase ao mesmo tempo era glorificada na sua arte, na sua indústria e na sua ciência – Estocolmo conferia o Prémio Nobel ao dramaturgo Echegaray, Londres solenizava o aniversário do invento do laringoscópio por Manuel Garcia e a Academia de Berlim fazia seu sócio o sábio Tamon y Cajal – Nação admirável, que tem para celebrar as suas glórias passadas uma personalidade tão eminente como Menendez Pelayo, que vale por uma Academia inteira, e tem para lhe rasgar o horizonte das glórias futuras a personalidade extraordinária de Joaquim Costa, que é só por si como se fosse uma faculdade inteira de direito moderno.
Saúda a Espanha liberal, onde há hoje um grande Partido Republicano, com brilhante representação no Parlamento e nos municípios, cuja força profunda e incontestável se acaba de demonstrar rijamente nas últimas eleições, e onde o Chefe do Estado envia os seus cartões de cumprimentos aos presidentes do Senado e do Congresso, onde o Senado é já em parte electivo e o Congresso eleito pelo sufrágio universal, e onde o conservador Maura combate dentro do próprio partido a política do poder pessoal, do engrandecimento do poder real, e propõe e faz vingar uma lei de governo local, largamente descentralizadora.
Saúda a Espanha trabalhadora, onde se vai operando uma poderosa organização associativa de classe, e onde o Ministério das Finanças Villaverde fez mais do que equilibrar as despesas com as receitas, porque levou o orçamento e as contas do Estado até ao superavit, onde os governos têm sucessivamente reduzido os impostos de consumo e onde os partidos no poder se empenham em promulgar leis de justiça e protecção ao operariado.
Saúda a progressiva Nação espanhola, em que não só figuras tão extremadas na vida pública, como eram entre si ainda há pouco Galdés e Pereda, se abraçam no trato particular, mas em que Maura procura Azcárate e Labra para os ouvir sobre as questões nacionais pendentes mais graves, em que o Ministro Marquês de Figueiroa, conservador e católico, se incorpora, em nome do Governo, no saimento do republicano e livre pensador Salmeron, em que os poderes públicos não duvidam nomear para o Instituto de Estudos Sociais os professores republicanos Builla e Posada e eles não duvidam aceitar a nomeação, em que Madrid, por acordo e com aplauso geral, remove duma das suas mais belas praças o obelisco comemorativo dum nascimento principesco para o substituir pelo monumento ao príncipe da eloquência tribunícia, Castelar. E ainda tem nos ouvidos os vivas à República que, perante esse majestoso monumento, o povo, levando entre si Moret, ergueu, em meio da impassibilidade da polícia, no último aniversário da Revolução de Setembro.
Para essa obra de sociabilidade e de colaboração mútua tem contribuído imenso, cimentando a união íntima da juventude espanhola, a Instituição Livre de Ensino de Madrid, à frente da qual está um dos primeiros educadores do nosso tempo, D. Francisco Giner. Por isso, dirige-lhe também dali as suas saudações.
Neste movimento de solidariedade nacional, nesta penetração de ideias e sentimentos humanistas de tolerância, vê-se bem o espírito novo que avança serenamente e dominadoramente. À custa de quantas lutas, a preço de quantas dores e angústias, de quantos sacrifícios da democracia? Ai! Imagina-o.
E há uma província de Espanha, onde esse espírito novo tem a pujança, a exuberância do solo natal; é Valência.
De Valência é Soriano, é o republicano Luís Sinarro, insigne histologista e psicólogo, é o brilhante escultor republicano Benlliure, é o republicano Sorolla, o afamado pintor, é o republicano Morote, o enorme jornalista mundial, cheio de talento e de atracção, nosso inolvidável amigo muito querido, a quem tanto e tanto devemos das simpatias da opinião pública da Espanha para connosco, quando, em luta pela liberdade contra o despotismo, tivemos cruelmente contra nós a imprensa de todas as outras nações, até da liberal Inglaterra, até da republicana França, e é o republicano Blasco Ibañez, o prodigioso homem de letras que temos a honra de hospedar neste momento.
Saúda efusivamente a Blasco Ibañez, e, para o fazer, traz-lhe mais do que a sua pobre palavra, traz-lhe um abraço carinhoso de Guerra Junqueiro.
Bernardino Machado - "Blasco Ibañez". In Pela República: 1908-1909 - II. Lisboa: Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1910, pp. 547-551; "Em honra de Blasco Ibañez. Homenagem dos republicanos portugueses. O almoço de hontem no Grande Hotel de Inglaterra. O sr. dr. Bernardino Machado saúda a Hespanha politica e abraça Blasco Ibañez em nome de Guerra Junqueiro". In O Mundo, Lisboa, Ano 9, n.º 3067 (19 Maio 1909), p. 1.
Saúda a Espanha liberal, onde há hoje um grande Partido Republicano, com brilhante representação no Parlamento e nos municípios, cuja força profunda e incontestável se acaba de demonstrar rijamente nas últimas eleições, e onde o Chefe do Estado envia os seus cartões de cumprimentos aos presidentes do Senado e do Congresso, onde o Senado é já em parte electivo e o Congresso eleito pelo sufrágio universal, e onde o conservador Maura combate dentro do próprio partido a política do poder pessoal, do engrandecimento do poder real, e propõe e faz vingar uma lei de governo local, largamente descentralizadora.
Saúda a Espanha trabalhadora, onde se vai operando uma poderosa organização associativa de classe, e onde o Ministério das Finanças Villaverde fez mais do que equilibrar as despesas com as receitas, porque levou o orçamento e as contas do Estado até ao superavit, onde os governos têm sucessivamente reduzido os impostos de consumo e onde os partidos no poder se empenham em promulgar leis de justiça e protecção ao operariado.
Saúda a progressiva Nação espanhola, em que não só figuras tão extremadas na vida pública, como eram entre si ainda há pouco Galdés e Pereda, se abraçam no trato particular, mas em que Maura procura Azcárate e Labra para os ouvir sobre as questões nacionais pendentes mais graves, em que o Ministro Marquês de Figueiroa, conservador e católico, se incorpora, em nome do Governo, no saimento do republicano e livre pensador Salmeron, em que os poderes públicos não duvidam nomear para o Instituto de Estudos Sociais os professores republicanos Builla e Posada e eles não duvidam aceitar a nomeação, em que Madrid, por acordo e com aplauso geral, remove duma das suas mais belas praças o obelisco comemorativo dum nascimento principesco para o substituir pelo monumento ao príncipe da eloquência tribunícia, Castelar. E ainda tem nos ouvidos os vivas à República que, perante esse majestoso monumento, o povo, levando entre si Moret, ergueu, em meio da impassibilidade da polícia, no último aniversário da Revolução de Setembro.
Para essa obra de sociabilidade e de colaboração mútua tem contribuído imenso, cimentando a união íntima da juventude espanhola, a Instituição Livre de Ensino de Madrid, à frente da qual está um dos primeiros educadores do nosso tempo, D. Francisco Giner. Por isso, dirige-lhe também dali as suas saudações.
Neste movimento de solidariedade nacional, nesta penetração de ideias e sentimentos humanistas de tolerância, vê-se bem o espírito novo que avança serenamente e dominadoramente. À custa de quantas lutas, a preço de quantas dores e angústias, de quantos sacrifícios da democracia? Ai! Imagina-o.
E há uma província de Espanha, onde esse espírito novo tem a pujança, a exuberância do solo natal; é Valência.
De Valência é Soriano, é o republicano Luís Sinarro, insigne histologista e psicólogo, é o brilhante escultor republicano Benlliure, é o republicano Sorolla, o afamado pintor, é o republicano Morote, o enorme jornalista mundial, cheio de talento e de atracção, nosso inolvidável amigo muito querido, a quem tanto e tanto devemos das simpatias da opinião pública da Espanha para connosco, quando, em luta pela liberdade contra o despotismo, tivemos cruelmente contra nós a imprensa de todas as outras nações, até da liberal Inglaterra, até da republicana França, e é o republicano Blasco Ibañez, o prodigioso homem de letras que temos a honra de hospedar neste momento.
Saúda efusivamente a Blasco Ibañez, e, para o fazer, traz-lhe mais do que a sua pobre palavra, traz-lhe um abraço carinhoso de Guerra Junqueiro.
Bernardino Machado - "Blasco Ibañez". In Pela República: 1908-1909 - II. Lisboa: Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1910, pp. 547-551; "Em honra de Blasco Ibañez. Homenagem dos republicanos portugueses. O almoço de hontem no Grande Hotel de Inglaterra. O sr. dr. Bernardino Machado saúda a Hespanha politica e abraça Blasco Ibañez em nome de Guerra Junqueiro". In O Mundo, Lisboa, Ano 9, n.º 3067 (19 Maio 1909), p. 1.
