domingo, 19 de dezembro de 2010

todos os nomes



  • "É mais do que certo e sabido que a morte, quer por incompetência de origem quer por má-fé adquirida na experiência, não escolhe as suas vítimas consoante a duração das vidas que viveram, procedimento este, aliás, entre parêntesis se diga, que, a dar crédito à palavra das inúmeras autoridades filosóficas e religiosas que sobre o tema se pronunciaram, acabou por produzir no ser humano, reflexamente, por diferentes e às vezes contraditórios caminhos, o efeito paradoxal duma sublimação intelectual do temor natural de morrer. Mas, indo ao que nos interessa, aquilo de que a morte nunca poderá ser acusada é de ter deixado ficar indefinidamente no mundo algum esquecido velho, apenas para se ir tornando cada vez mais velho, sem merecimento ou outro motivo visível." (15-16)
  • "... o espírito humano, muitas vezes, toma decisões cujas causas mostra não conhecer, sendo de supor que o faz depois de ter percorrido os caminhos da mente com tal velocidade que depois não é capaz de os reconhecer e muito menos reencontrar." (24)
  • "Só os deuses mortos são deuses sempre." (26)
  • "... não há nada que mais canse uma pessoa que ter de lutar, não com o seu próprio espírito, mas com uma abstracção." (27)
  • "Para anunciar o começo de algo, fala-se sempre do dia primeiro, quando a primeira noite é que deveria contar, ela é que é a condição do dia, a noite seria eterna se não houvesse noite." (28)
  • "A fama, ai de nós, é um ar que tanto vem como vai, é um cata-vento que tanto gira ao norte como ao sul, e tal como sucede passar uma pessoa do anonimato à celebridade sem perceber porquê, também não é raro que depois de ter andado a espanejar-se à calorosa aura pública acabe sem saber como se chama." (29-30)
  • "... sendo a vida biologicamente a mesma, quer dizer, o mesmo ser, as mesmas células, as mesmas feições, a mesma estatura, o mesmo modo aparente de olhar, ver e reparar, e sem que a estatística se tivesse podido aperceber da mudança. essa vida passou a ser outra vida, e outra pessoa essa pessoa." (31)
  • "O sábio é sábio consoante o grau de prudência que o exorne..." (34)
  • "... a prudência só é boa quando se trata de conservar aquilo que já não interessa..." (35)
  • "... Quantos aos pensamentos metafísicos, meu caro senhor, permita-me que lhe diga que qualquer cabeça é capaz de os produzir, o que muitas vezes não consegue é encontrar as palavras." (39)
  • "Em geral não se diz que uma decisão nos aparece, as pessoas são tão zelosas da sua identidade, por vaga que seja, e da sua autoridade, por pouca que tenham, que preferem dar-nos a entender que reflectiram antes de dar o último passo, que ponderaram os prós e os contras, que sopesaram as possibilidades e as alternativas, e que, ao cabo de um intenso trabalho emntal, tomaram finalmente a decisão. Há que dizer que estas coisas nunca se passaram assim. Decerto não entrará na cabeça de ninguém a ideia de comer sem sentir suficiente apetite, e o apetite não depende da vontade de cada um, forma-se por si mesmo, resulta de objectivas necessidades do corpo, é um problema físico-químico cuja solução, de um modo mais ou menos satisfatório, será encontrada no conteúdo do prato. Mesmo um acto tão simples, como é o de descer à rua a comprar o jornal pressupõe, não só um suficiente desejo de receber ingormação, o qual, esclareça-se, sendo desejo, é necessariamente apetite, efeito de actividades físico-químicas específicas do corpo, ainda que de diferente natureza, como pressupõe também, esse acto rotineiro, por exemplo, a certeza, ou a convicção, ou a esperança, não conscientes, de que a viatura de distribuição não se atrasou ou de que o posto de venda de jornais não está fechado por doença ou ausência voluntária do proprietário. Aliás, se persistíssemos em afirmar que as nossas decisões somos nós que as tomamos, então teríamos de principiar por dilucidar, por discernir, por distinguir, quem é, em nós, aquele que tomou a decisão e aquele que depois a irá cumprir, operações impossíveis, onde as houver. Em rigor, não tomamos decisões, são as decisões que nos tomam a nós. A prova encontramo-la em que, levando a vida a executar sucessivamente os mais diversos actos, não fazemos preceder cada um deles de um período de reflexão, de avaliação, de cálculo, ao fim do qual, e só então, é que nos declararíamos em condições de decidir se iríamos almoçar, ou comprar o jornal, ou procurar a mulher desconhecida." (41-42)
  • "O corpo que sonha é real, portanto, salvo opinião mais autorizada, também tem de ser real o sonho que ele estiver a sonhar, O sonho só tem realidade como sonho, Quer dizer que a minha única realidade foi essa, Sim, foi essa a sua única realidade vivida..." (44)
  • "... o tempo, ainda que os relógios queriam convencer-nos do contrário, não é o mesmo para toda a gente." (47)
  • "... O acaso não escolhe, propõe..." (47)
  • "Quem somos nós para falar de consequências, se da fila interminável delas que incessantemente vêm caminhando na nossa direcção apenas podemos ver a primeira, Significa isso que algo pode acontecer ainda, Algo, não, tudo, Não compreendo, Só porque vivemos absortos é que não reparamos que o que nos vai acontecendo deixa intacto, em cada momento, o que nos pode acontecer, Quer isso dizer que o que pode acontecer se vai regenrando constantemente, Não só se regenera como se multiplica, basta que comparemos dois dias seguidos, Nunca pensei que fosse assim, São coisas que só os angustiados conhecem." (48)

  • "... o que à primeira vista é igual para todos e na realidade é diferente para cada um. E diferente também de cada vez..." (56)
  • "... toda a gente sabe que sendo certo que não é com vinagre que se apanham moscas, não é menos certo também que algumas nem com mel se deixam apanhar." (59)
  • "É uma pessoa feliz, pode guardar os seus segredos, Não creio que alguém seja feliz só por guaradar segredos, É feliz, o que eu sou não interessa..." (61)
  • "... perdoa-se porque se ama, ama-se porque se perdoa..." (63)
  • "... seguramente na cabeça de toda a gente, um pensamento autónomo que pensa por sua própria conta, que decide sem a participação do outro pensamento, aquele que conhecemos desde que nos conhecemos e que tratamos por tu, aquele que se deixa guiar por nós para nos levar aonde cremos que conscientemente queremos ir, mas que, afinal de contas, poderá ser que esteja a ser conduzido por outro caminho, noutra direcção, e não para a esquina mais próxima..." (69)
  • "... o que dá o verdadeiro sentido ao encontro é a busca e que é preciso andar muito para alcançar o que está perto. " (69)
  • "... pessoas desconhecidas é o que mais se encontra na vida..." (70)
  • "... o princípio de um desenho como o de todas as vidas, feito de linhas quebradas, de cruzamentos, de intersecções, mas nunca de bifurcações, porque o espírito não vai a lado nenhum sem as pernas do corpo, e o corpo não seria capaz de mover-se se lhe faltassem as asas do espírito." (74)
  • "... há outras pessoas que se não salvam o mundo é só porque o mundo não se deixa salvar..." (87)
  • "Provavelmente, quanto maior é a diferença, maior será a igualdade, e quanto maior é a igualdade, maior a diferença será..." (97)
  • "... alguma razão o povo há-de ter para persistir em afirmar, não obstante as contrariedades da vida, que a má sorte nem sempre há-de estar atrás da porta..." (107)
  • "... ninguém tem o direito de apropriar-se de retratos que não lhe pertençam, salvo se lhe foram oferecidos, levar o retrato duma pessoa no bolso é como levar-lhe um pouco da alma..." (119-120)
  • "... aos múltiplos sentidos das palavras que cautelosamente ia pronunciado, sobretudo aquelas que parecem ter um sentido só, com elas é que é preciso mais cuidado. Ao contrário do que em geral se crê, sentido e significado nunca foram a mesma coisa, o significado fica-se logo por aí, é directo, literal, explícito, fechado em si mesmo, unívoco, por assim dizer, ao paso que o sentido não é capaz de permanecer quieto, fervilha de sentidos segundos, terceiros e quartos, de direcções irradiantes que se vão dividindo e subdividindo em ramos e ramilhos, até se perderem de vista, o sentido de cada palavra parece-se com uma estrela quando se põe a projectar marés vivas pelo espaço fora, ventos cósmicos, perturbações magnéticas, aflições." (133-134)
  • "Sendo a alma humana o que sabemos, e não podemos gabar-nos de saber tudo..." (140)
  • "... a vida tinha-lhe ensinado que a melhor maneira de defender os segredos próprios ainda é guardar respeito aos segredos alheios." (147-148)
  • "... aquilo que ainda é vivo àquilo que já está morto, aquilo que vai morrendo àquilo que vai nascendo, todos os seres a todos os seres, todas as coisas a todas as coisas, eles e elas, mais do que aquilos que à vista os separa..." (155)
  • "Sim, mas o que está a ver de mim também é uma pela, aliás, a +ele é tudo quanto queremos que os outros vejam em nós, por baixo dela nem nós próprios conseguimos saber quem somos." (157)
  • "... em todo o caso lembra-te de que não é só a sabedoria dos tectos que é infinita, as surpresas da vida também o são..." (158)
  • "... tempo a que poderíamos chamar de alma..." (179)
  • "... ignorantes como somos, até onde puderam já alcançar os avanços da ciência, da mesma maneira que as ondas de rádio, que ninguém vê, conseguiram levar os sons e as imagens por ares e ventos, saltando as montanhas e os rios, atravessando os oceanos e os desertos, também não será nada de extraordinário se já estiveram descobertas ou inventadas, ou vierem a sê-lo amanhã, umas ondas leitoras e umas ondas fotógrafas capazes de atravessar as paredes e registar e transmitir para o exterior casos, mistérios e vergonhas da nossa vida que julgaríamos a salvo de indiscrições." (185-186)
  • "É sabido como os nossos pensamentos, tanto os da inquietação como os do contentamento, e outros que nem são disto nem daquilo, acabam, mais tarde ou mais cedo, por cansar-se e aborrecer-se de si mesmos, é só questão de dar tempo ao tempo, é só deixá-los entregues ao preguiçoso devanear que lhes veio da natureza, não lançar na fogueira nenhuma reflexão nova, irritante ou polémica, ter, sobretudo, o supremo cuidado de não intervir de cada vez que diante de um pensamento já por si disposto a distrair-se se apresente uma bifurcação atractiva, um ramal, uma linha de desvio. Ou intervir, sim, mas para o impelir com delicadeza pelas costas, principalmente se é daqueles que incomodam, como se estivéssemos a aconselhá-lo."
  • "... há ocasiões na vida em que nos deixamos ir, em que somos capazes de contar as nossas dores até ao primeiro desconhecido que nos apareça..." 191)
  • "... A felicidade e a infelicidade são como as pessoas famosas, tanto vêm como vão..." (197)
  • "... as águas passadas não movem moinhos..." (198)
  • "Nao se pode imaginar, é impossível, só estando lá..." (199)
  • "... embora não seja capaz de dizer em que consiste a diferença, deve ser coisa de dentro, não de fora." (201)
  • "... a memória, que é susceptível e não gosta de ser apanhada em falta, tende a preencher os esquecimentos com criações de realidade próprias, obviamente espúrias, mas mais ou menos contíguas aos factos de cujo acontecer só lhe havia ficado uma lembrança vaga, como o que resta da passagem duma sombra." (201)
  • "... a sabedoria popular a dizer, desde que o mundo é mundo, que o coração não sente o que os olhos não vejam." (214)
  • "... cada um sabe de si e só Deus sabe de todos." (220)
  • "... há mesmo quem afirme que um Cemitério assim é como uma espécie de biblioteca onde o lugar dos livros se encontrasse ocupado por pessoas enterradas..." (230)
  • "As obras do acaso são infinitas." (243)
  • "Em geral as pessoas não conseguem ser justas, nem consigo mesmas, nem com os outros..." (247)
  • "... os tectos das casas são o olhos múltiplo de Deus." (248)
  • "A vida é estranha..." (257-258)
  • "Provavelmente tinha razão quando disse que talvez nenhum suicídio possa ser explicado, Racionalmente explicado, entenda-se, Tudo se passou como se ela não tivesse feito mais do que abrir uma porta e sair, Ou entrar, Sim, ou entrar, conforme o ponto de vista, Pois aí fica uma excelente explicação, Era uma metáfora, a metáfora sempre foi a melhor forma de explicar as coisas." (267)
  • "O espírito humano, porém, quantas vezes será preciso dizê-lo, é o lugar predilecto das contradições, aliás nem se tem observado ultimamente que elas propsperem ou simplesmente tenham condições de existência viáveis fora dele..." (268)