sábado, 29 de janeiro de 2011

milan kundera
















lídia jorge

















eros e amor

DO SENSÍVEL AO INTELIGÍVEL OU OS DEGRAUS DO AMOR
PRIMEIRAS OBSERVAÇÕES
"Todo o ser se desvele com o que é"
Platão, Banquete
"Por prática entenderemos qualquer forma coerente e complexa da actividade humana cooperativ, estabelecida socialmente, mediante a qual se realizam os bens inerentes à mesma enquanto se intenta conseguir os modelos de excelência que são apropriados a essa forma de actividade e a definem parcialmente, com o resultado da capacidade humana conseguir a excelência e os conceitos humanos dos fins que se extendem sistematicamente.
Alasdair MacIntyre, After Virtue



I
Várias foram as ideias para esta palestra que abre o III Filo-Café, intitulado "O Amor, Corre no Sangue dos Filósofos?", organizado pela Associação Portuguesa de Ética e Filosofia Prática, e que decorreu na biblioteca da Escola D. Sancho I. Principalmente, o começo, o seu início, permite o propósito que aqui me traz, perante o tema a ser analisado, o amor no sangue dos filósofos, amor que anda tão desencontrado na sociedade contemporânea, palavra gasta e inócua. Resolvi ficar pelo mais simples, isto é, na apresentação das ideias dos discursos de Fedro (faz o elogio do amante), de Pausânias(o mesmo que Fedro), Erixímaco (que tem uma visão científica do amor e, ao mesmo tempo, um amor-cósmico, hoje seria adepto da New-Age!), Aristófanes (proclama a busca do amor-próprio), Ágaton (que se preocupa apenas com a qualidade de Eros e não com o seu ser), Sócrates (o amor como um degrau) e Alcibíades (a apologia a Sócrates), e naquilo que cada discurso poderá significar para os dias de hoje. O livro já se adivinha: "O Banquete", de Platão. No fundo, a mensagem que poderemos ressalvar desses mesmos discursos para uma humanização do amor nos tempos tão conturbados de hoje, tão desencantado que anda, é o amor em diálogo para sua salvaguarda. Paralelamente, algumas reflexões pessoais irão estar patentes ao longo deste texto,, dos paradoxos dos próprios intervenientes no "Banquete", exceptuando, claro, quer aceitemos ou não, o caso de Sócrates, o qual promove a excelência do reencontro de Eros e do Amor consigo mesmo enquanto revelamento de algo misterioso e mágico, no desvelamento do encontro de dois seres.





II


Na página social do Facebook, abri o tema com a seguinte questão, tomada do livro de Agostinho da Silva "Conversações com Diotima". Ei-la: "Como se pode justificar uma criação dos deuses em que a maior parte dos homens não tem possibilidade alguma de seguir o que ensinaste sobre os caminhos do Amor?" A colaboração, por si só, não deixou de ser rentável, mas de fraca participação. Das cinco colaborações, uma foi masculina, as outras restantes femininas. A questão que surge é esta: será que Eros e o Amor só interessa ao mundo feminino? O mundo masculino parece que anda arredado, longe, das questões de Eros e do Amor, no fundo, da sua excelência. Em contrapartida, na altura do debate, na sessão, o mundo masculino revelou-se, não o feminino. Isto apenas significa o quanto de paradoxal a sociedade contemporânea se revela. Talvez. O que revela, se quisermos, é uma certa indiferença da sociedade e, mais concretamente, das páginas sociais da web, as quais são esencialmente, independente da aderência ou nao a projectos sociais apelidados de "Causa", (Junta-te a esta causa), as quais são, essencialmente e, paradigamticamente, individualistas. O que temos é um exacerbamento do "Eu", personalizado em alguns momentos, na busca possível de uma humanidade perdida. A resposta masculina salvou-se, particularmente, no mais do que famoso par romântico Romeu e Julieta, poeticamente. Shakespeare salva o amor e Eros no encontro do pecado: "Romeu, após um abraço beijado: Oh! Os teus lábios apagaram os pecados meus. / Julieta: e os meus lábios guardaram para eles o pecado que encontraram nos teus..." Eis o feminino perante a pureza, não o masculino: o masculino, enquanto lado negro do Amor e de Eros, temos o feminino na imagem de divindade, a de anjo, mas também demónio, na configuração romântica. No mundo de hoje, talvez esta imagem do mundo feminino mereça ser repensada, entre o anjo e o demoníaco, encarnando o feminino no masculino. Sempre houve, é certo, mas hoje perante várias correntes e manifestações de Eros e de Amor desconfiguradas da sua humanidade, busca-se o amor para o rejuvenescimento de uma identidade perdida que não se alcança, numa satisafação amorosa de fluídos para se completar a solidão. Estamos perante, isso sim, na imagem de um novo feminismo, reconvertido na imagem masculina. O desnorte, o sem sentido, é quando o mundo feminino tem consciência de que uma relação (com um homem casado, por exemplo) não leva a lado nenhum! É a imagem da incompletude do humano na perspectiva de Aristófanes. Hoje, e possivelmente como em todos os temos, não sabemos onde se encontra Eros e o Amor, perante o exacerbamento físíco dos corpos, não sabemos onde se encontra a realidade dos valores, entre aquilo que poderá ser eticamente correcto ou não. O comportamento humano encontra-se desvirtualizado, visualizando-se virtualmente, numa fronteira humana que já não existe, pelo menos no privado. Não deixa de ser curioso: o discurso de Aristófanes encontra-se aqui bem vivo, relacionando-se hoje com todos os lobbyes sexuais! Uma das participações femininas salientou que existem vários tipos de amor. Desta forma, devemos amar a nossa família e nos amar propriamente, porque só assim sabemos o tipo de pessoa que nos preenche. Ao conhecermo-nos pessoalmente, mais uma vez o amor-próprio, que não nos fica nada mal, mas, diga-se, sem carimos no narcisismo, é desalutar. Uma vez mais Aristófanes. Uma outra ideia que a mesma pessoa avança é que as pessoas sofrem por Amor porque não se amam, digamos, e acrescento, a elas próprias. Quem nos ama, na mesma ideia, não nos faz sofrer. Sendo o Amor o sentimento mais sublime, o mais puro da condição humana, continua a dizer-nos, que existe preconceito(s) sobre o Amor, assim como também discriminação, porque existem muitas barreiras par serem quebradas. Isto significa, julgo, se, por um lado, não tem nada a ver com as questões homossexuais, por outro lado, é que o ser humano não se revela perante Eros e o Amor quando este se manifesta. No fundo, a mensagem que aqui fica, espantosa mensagem esta, mais do que encontrar o coração puro, o ser humano deve encontrar-se consigo mesmo porque foge de si mesmo e, ao mesmo tempo, da sua própria vida. Uma outra ideia que se configurou perante a questão de Agostinho da Silva foi retirada dele próprio, numa citação, sem indicação de origem, cuja idealização conclusiva se situa entre a belexa sensível e a beleza espiritual, nas palavras de Platão, remetendo-nos parav a caminhada errante de Eros e do Amor em bsuca da felicidade, situada esta, em Silva, na beleza espiritual, entenda-se, no conhecimento. Finalmente, surgiu o seguinte comentário interrogativo, o qual serve o nosso propósito para viajarmos pelo "Banquete", dizendo-nos o seguinte: "De que adianta buscar explicações para o incompreensível, se não somos capazes de exercer o mais humano dos sentimentos?"A resposta preliminar que podemos, ou posso dar, a este comentário interrogativo é a mensagem geral que Platão pretende com o seu "Banquete", e já aqui referida: que o amor surja como acto de conversação para a descoberta mútua e a sublimação do ser humano, para que a sociedade não seja lucreciana, mas mais platónica. É tempo de entrarmos nos diálogos. Amanhã, o mais tarde, colocarei o texto da palestra.