visões do então jornalista camilo sobre a cultura social portuense, neste caso sobre o carnaval. estas "coisas que só eu sei" foram publicadas no jornal "o portuense" em 1853. esta crónica social, de amores que se encontram socialmente, conta-nos uma festa de carnaval no teatro s. joão, foi, depois, republicada no jornal "a concórdia" e mais tarde inserido na miscelânea "cenas contemporâneas". o alvo da crónica é "um dominó de cetim". são so primeiros exercícios literários de camilo sobre a intertextualidade metaliterária, caracterizando as personagens através dos escritores que então leu e lidos.
"... em Portugal, um dominó em corpo de mulher, que passeia «sozinha» num teatro, permite umas suspeitas que não abonam as virtudes do dominó, nem lisonjeiam a vaidade de quem lhe recebe o conhecimento."
"... é mais fácil descobrir um mundo novo que uma mulher ilustrada. É mais fácil ser Cristóvão Colombo que Emílio Girardin´."
"Como o poeta se chama não sei, nem importa. Imagina tu que és um poeta, fantástico como lamartine, vulcânico como Byron, sonhador como MacPherson e voluptuoso como Voltaire aos 60 anos. Imagina tédio desta vida chilra que se vive no Porto te obrigou a deixar no teu quarto a pitonisa descabelada das tuas inspirações, e vieste por aqui dentro a procurar um passatempo nestes passatempos alvares de um baile de Carnaval. Imagina que encontravas uma mulher extraordinária de espírito, um anjo de eloquência, um demónio de epigrama, enfim, uma destas criaturas miraculosas que fazem rebentar uma chama improvisa no coração mais de gelo, e de lama, e de toucinho sem nervo. Ris? Achas nova a expressão, não é assim? Um coração de toucinho parece-te uma ofensa ao bom senso anatómico, não é verdade? Pois, meu caro dominó, há corações de toucinho estreme. São os corações, que ressumam óleo em certas caras estúpidas..."
"O poeta devia ser mais generoso com a desgraça, porque a missão do poeta é a indulgência não só para as grandes afrontas, mas até para os grandes narizes. / - Será; mas o poeta, que transgrediu a sublime missão de generosidade para com as mulheres feias, vai ser punido."
"Sabes tu que eu tenho um profundo conhecimento do coração humano? Já vês que não sou a mulher que imaginas, ou quererias que eu fosse. Não comeces a desvanecer-te com uma conquista esperançosa. Faz calar o teu amor-próprio, e emprega a tua vaidade em bloquear com ternuras calculadas uma inocente a quem possas fazer feliz, enquanto a enganas..."
"As rosas purpurinas dos vinte anos tinham-lhe sido crestadas pelo hálito abrasado dos salões. A placides extemporânea de uma vida agitada via-se-lhe no rosto protestando não contra os prazeres, mas contra a debilidade de um sexo que não pode acompanhar com a matéria as evoluções desenfreadas do espírito. Mas que olhos! mas que vida! que electricidade no frenesi daquelas feições! que projeccção de uma sombra azulada lhe descia das pálpebras! Era uma mulher em cujo rosto transluzia a soberba, talvez demasiada, da sua superioridade."
Sem comentários:
Enviar um comentário