terça-feira, 28 de abril de 2009

Apontamentos (quase)secretos

Hoje decidi escrever um pouquito. Resolução tomada já na parte final de mais um dia trabalho, há volta do tomo II da Obra Pedagógica de Bernardino Machado. Sim, decidi escrever umas linhas e logo as ideias foram surgindo, correndo como as águas de um rio, e assim foram aparecendo estas linhas deambulatórias, mentalmente. E estão a ser escritas na biblioteca, mais propriamente no espaço de Prado Coelho, onde, no final de mais um dia de trabalho, me recolho para a investigação da cultura local, a algo que denominei Literatura e Noticiário, ou, como às vezes costumo denominar, para outras coisas mais, uma investigação que já dura há algum tempo pelo Estrela do Minho. Mas também já tive a honra e o prazer de ler e de folhear alguns livros completamente desconhecidos, alguns sabia da sua existência, outros nem tanto, da sua biblioteca, quando investigava alguns textos interpretativos da obra de Marx para aplicar ao meu estudo sobre Armando Bacelar, para uma interpretação dos textos de Bacelar, se teórico ou não do neo-realismo, tal como foi o caso de Habermas e o seu Après Marx, Lucien Goldmann e as suas Recherches Dialectiques, Merleau-Ponty com Les Aventures de la Dialectique, Castoriadis e o seu Le Contenu du Socialisme, Louis Althusser com o seu Pour Marx, ou Michel Henry com o livro Marx: une philosophie de la réalité. Como


que por milagre, lá estavam eles na biblioteca de Prado Coelho, a sorrirem-se para mim, alguns sublinhados e com apontamentos manuscritos do seu próprio punho, o que, diga-se de passagem, até ajuda para realçar o mais importante. Ainda por cima sublinhados e notas do próprio Prado Coelho! Quem diria! De vez em quando lá se pára. O silêncio da escrita, do espaço, connosco próprios, os livros. E olho para eles e tenho uma vontade enorme de os ler todos, infinitamente, viajando para outro mundo. O que é senão a literatura e a filosofia senão esse acto mágico, enquanto leitor, leitores, de me, de nos, elevar para um mundo outro por mim sonhado, por todos nós sonhado? Acto de impossibilidade este. Não será um acto impossível a leitura? A procura da totalidade. Impossível. Da perfeição, outra impossibilidade. No sossego dos livros. Hoje não, não volto a esse jornal mítico famalicense. E tudo começou simplesmente pela simples curiosidade de saber um pouco mais do ilustre director da primeira revista literária (A Alvorada) de Vila Nova, de nome Joaquim de Azuaga, e que, afinal, ainda nada apareceu. Contudo, outras curiosidades têm aparecido, bibliográficas, e não só, e cujas informações têm sido proveitosas para o Dicionário, com o acrescento de Gente Ilustre de Vila Nova de Famalicão, projecto da autarquia famalicense dirigido pelo Prof. Norberto Cunha, projecto que tem a virtude de vir a unir os famalicenses pela sua cultura, a experiência mo tem dito, algumas pessoas até têm ficado perplexas com tal


actividade, têm curiosidade, alguns verbetes têm sido já alterados, como também para a Cronologia denominada Literatura e Cultura de Famalicão, projecto este autónomo, de minha autoria. Trabalhos de resistência, de longa duração. Sempre novidades. A investigação é infinita. Procuramos umas indicações e aparecem-nos outras, infinitamente. Um livro aberto. Mas não só de Prado Coelho e dos seus livros gostaria apenas de escrever algo: também sobre estas comemorações de Abril, sobre o país que sonharam e não realizaram, este país ficcional e tão paradoxal, este país com jovens que emigram e com trabalho precário, se por cá ficam, ou sobre este país subsidiário, numa altura em que muitos politólogos e sociólogos e filósofos já concluíram da falência do estado social, um país que continua com esta política falhada a criar subdependentes – porque não criar trabalho cívico para os desempregados, na perspectiva de novos horizontes de trabalho, não de emprego –, um país que não cria alternativas, um país passivo, sem cidadania, ou então sobre a chantagem politica do Partido Socialista, via Vital Moreira (já solicitada por Sócrates, este, o político, não o filósofo) para a maioria


absoluta, caindo no ridículo de afirmar que se o partido não alcançá-la, demite-se! Que chantagem esta! Lembram-se do Jorge Coelho? Daquela frase mítica de Quem se mete com o PS leva... ? Espantoso, não?! Fica para uma próxima, possivelmente, para o reino dos possíveis. Sim, e cá estamos na sala Prado Coelho, também Vasco de Carvalho. Ao lado, Nuno Simões e Armando Bacelar. Famalicão, nos últimos tempos, nas últimas décadas, transformou-se num centro de investigação por excelência. Posso ser suspeito. Fora desta suspeição, a realidade o demonstra. Cesariny na Fundação Cupertino de Miranda, Alexandre Cabral e Manuel Simões em Seide, ou Alberto Sampaio no Arquivo Histórico, demonstra essa mesma realidade. Ultimamente, foram anunciados mais espólios que serão doados ao Museu Bernardino Machado, de Sá Marques e de Norberto Cunha, ou então há que falar da camiliana de Pinto de Castro que vai para


Seide. Possivelmente outros virão. Os cidadãos, não só os famalicenses, mas do país, têm ao seu alcance grandes espólios para as suas investigações. Destas investigações podem resultar novas mentalidades críticas. Esta é a realidade. Camilianas (Camilo bem precisa de ter uma nova dimensão, parece que estamos a voltar há geração romântica de 1925! A mensagem das comemorações do seu falecimento, um Camilo Vivo (grata expressão esta criada por Manuel Simões), assim como a exigência de um novo camilianismo, parece estar a morrer!), neo-realismo, surrealismo, a história, filosofia e literatura estão ao alcance para grandes trabalhos de investigação, para a originalidade crítica do pensamento, para um novo dizer do mundo. Sim, mas hoje apetece-me falar um pouco dos livros de Prado Coelho. Mesmo aqui ao meu lado, assim de relance, deparo-me com os livros de Augusto Abelaira, Herberto Hélder, Agustina, Ruben A, Hélia Correia, Pessoa, Natália Correia, entre tantos, tantos outros. Aqui há uns tempos, andava a investigar textos sobre o neo-realismo, para o livro de Armando Bacelar que actualmente preparo, e assim, de fugida, peguei no

Diário do Vergílio Ferreira, o primeiro volume, e fiquei espantado com o que vi na página pós-rosto: um índice manuscrito pelo próprio Prado Coelho! Fiquei estupefacto! E questionei-me se os outros diários também teriam um índice. A intenção não correspondeu perante a realidade. Os restantes volumes não tinham índice; possivelmente não precisou deles para os seus trabalhos de escrita, de investigador e de professor. Paciência. Têm de ser lidos, com tempo, trabalhados, para a continuidade de alguma nota explicativa a aplicar ao texto que pretendo escrever sobre a justificação já anunciada de Bacelar. Então, para não falar já daquelas notas curiosas escritas a lápis no livro de Agustina com o título O Susto, biografia ficcional de Pascoaes?! Quantos mais não haverão assim… E de filosofia nem se fala. Que mundo! Os meus livros e filósofos preferidos estão cá praticamente todos: Sartre, Marx, Wittgenstein, Derrida, Russel,


Berlin, Gadamer, Jonas, Steiner, Heidegger, Husserl, Ricoeur, Fernando Gil, Foucault, Kant, entre outros. Possivelmente livros e filósofos uns mais preferidos do que outros, uns mais lidos do que outros, uns mais reflectidos do que outros. Outros livros, de filosofia, também estão presentes, sobre as mais variadas temáticas. A filosofia e a técnica, por exemplo, e sei lá que mais! Eles, os livros e os filósofos, e os escritores, aqui estão há espera de serem lidos e pensados para novos voos filosóficos e literários. O ser humano não pára. A escrita não pára. A literatura hoje pode ser light; alguma filosofia também. O mais que curioso e polémico filósofo francês da actualidade, Michel Onfray, para além de desmistificar algumas ideias feitas sobre o que institucionalmente se pratica nas univAlinhar à direitaersidades e no corpo teórico das próprias investigações filosóficas, propõe, no seu último livro publicado entre nós (A Potência de Existir: manifesto hedonista), que o “filosofar é tornar viável e suportável a existência própria, aí onde nada está dado e tudo está por construir”.
AGG

Famalicão, 09.04.27

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