terça-feira, 19 de abril de 2011

os reencontros de kundera



Depois de "Os Testamentos Traídos" e de "A Arte do Romance", temos simplesmente não "Um Encontro, mas um reencontro, senão reencontros, de Kundera consigo mesmo com três estéticas: a pictoral, a musical e o romance, no fundo, os seus heróis. Não "Um Encontro", mas reencontros com o seu mundo, escritores, pintores e músicos, e, acima de tudo, com o mundo, com o nosso mundo, este igual a si próprio. Reencontros, portanto, com o seu mundo, e do mundo no mundo, o de todos nós. Encontros e reencontros para a possíver sinceridade de Kundera. Da estética de Francis Bacon já me pronunciei. Mas confesso, que nunca gostei muito da estética pictoral de Bacom. Se a sua pintura se encontra na transicção para a estética pós-modernista, confesso que esta mesma estética não me atrai. A própria estética contemporânea é o vazio da sociedade contemporânea. O mundo de Kundera que me interessa, neste seu livro, são as suas reflexões sobre a literatura, aplicando-as à realidade contenporânea, à nossa sociedade. Quando nos diz que estamos no "mundo do riso sem humor", digo simplesmente que concordo. Quando fala da sexualidade da ficção de Philip Roth, ou da "liberdade sexual" de David H. Lawrence, ou do lirismo sexual de Henry Miller, comenta que "atinge-se o limite. Não existe nenhum «mais longe». Já não há leis, pais, convicções que se oponham ao desejo. Tudo é permitido, e o único inimigo é o nosso próprio corpo, despido, desencantado, desmascarado", digo igualmente que concordo, apesar da paradoxalidade da afirmação de Kundera nesta afirmação, porque hoje já não limites, não há fronteiras. Mas tem a poeticidade de evocar a "nostalgia do amor", diria, a serenidade do amor vivencial. Ao evocar esta "nostalgia de amor", ela justifica a diferença hoje entre a identidade histórica e a pessoal, porque hoje a vida humana ultrapassa a história e a história e a vida humana escapa ao ser humano. O elo encontra-se quebrado. Este é um dos grandes problemas do nosso tempo. E porque a vida humana vai mais depressa, perde-se no que quer e no que não quer, porque ficcionaliza-se a si próprio. Quando nos fala da gratuitidade do mal na sociedade contemporânea, fala-nos do "paradoxo luciferiano: se uma sociedade... vomita violência e maldade gratuitas, é porque lhe falta a verdadeira experiência do mal." O mal privado e o mal público. O escândalo e o esquecimento. Diz.nos Kundera: "O escândalo da repetição é sempre caridosamente apagado pelo escândalo do esquecimento". A nossa sociedade vive disto: é o aveso da moralidade, e esta moralidade é a mais perigosa que possa existir. Quando nos fala da esteticidade musical, Beethoven ou Stravinski, entre tantos outros, alerta-me para esta reflexão: a minha ruptura com Beethoven, por exemplo, apesar de ainda às vezes o escutar, o que aqui está em causa é a ironia da esteticidade, a qual nos leva a essa mesma ruptura a qual nos abre para outros caminhos estéticos. Quando me fala de escritores como Kafka, Musil ou Broch, ah, Broch, aquela "Morte de Virgílio", que escreveram romances que influenciaram, entre outros, a minha adolescência... Quando no texto "As Listas Negras ou Divertimento em Homenagem a Anatole France" reflecte sobre a mutação do cânone literário, mas, atenção, pela "malediciência" social e cultural, não pelos gostos leitorais, conclui que "todos nós falamos de história da literatura, reclamamo-nos dela, certos de que a conhecemos, mas o que é in concreto a história da literatura na memória comum? Uma manta de retalhos feita de imagens fragmentárias que, por puro acaso, cada um dos milhares de leitores citou para si mesmo. Denbaixo do céu retalhado desta memória vaporosa e ilusória, estamos todos à mercê das listas negras, dos seus veredictos arbitrários e inverificáveis, sempre prontos para imitar a sua estúpida elegância." Kundera, e já o vamos ver, caiu na armadilha da sua própria reflexão, nessas "imagens fragmentadas", nessa "memória vaporosa", ou nessa "estúpida elegância" quando nos fala de Bohumil Hrabal, o escritor apolítico checo. Será? Preconceito literário por parte de Kundera? Hrabal não precisou de se exilar para se dedicar à sua arte, a tão apelidada arte do romance de Kundera. Quando Kundera nos fala da "discordância entre aqueles para quem a luta política prevalece sobre a vida concreta, a arte, o pensamento, e aqueles para quem o sentido da política consiste em estar ao serviço da vida concreta, da arte, do pensamento, Hrabal está na sua presença. Não entra nestes dois conceitos. Com a leitura do texto, julgava que Kundera argumentasse ainda mais com Hrabal. Não. Afinal de contas, os paradigmas que aponta são conciliáveis. Kundera não o diz directamente, mas justifica-se com Aragon, tudo pela arte do romance. Uma indirecta favorável a Hrabal. Kundera traiu a história da literatura e da cultura da sua pátria

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