sábado, 9 de outubro de 2010

mistérios de lisboa



Jornal de Notícias (9 Out. 2010), p. 38


  • "Tentar fazer um romance é um desejo inocente. Baptizá-lo com um título pomposo é um pretextto ridículo. Apanhar uma nomenclatura, estafada e velha, inculpida no frontispício de um livro, e ficar orgulhoso de ter um padrinho original, isso, meus caros leitores, é uma patranha de que eu não sou capaz. / Este romance não é meu filho, nem meu afilhado. / Se eu me visse assaltado pela tentação de escrever a vida oculta de Lisboa, não era capaz de alinhavar dois capítulos de jeito. O que eu conheço de Lisboa são os relevos, que se destacam nos quadros de todas as populações, com foro de cidades e de vilas. Isso não vale a honra do romance. Recursos de imaginação, se os eu tivera, não viria consumi-los aqui em uma tarefa inglória. E, sem esses recursos, pareceu-me sempre impossível escrever os mistérios de uma terra, que não tem nenhuns, e, inventados, ninguém os crê. / Enganei-me. É que eu não conhecia Lisboa, ou não era capaz de calcular a potência da imaginação de um homem. Cuidei que os horizontes do mundo fantástico se fechavam nos Pirinéus, e que não podia ser-se peninsular e romancista, que não podia ser-se romancista sem ter nascido Cooper ou Sue. Nunca me contristei desta persuasão. Antes eu gostava muito de ter nascido na terra dos homens verdadeiros, porque, peço me acreditem, que os romances são uma enfiada de mentiras desde a famosa Astreia de Urfé, até ao choramingas de Lamartine. / Por consequência, diz o circunspecto leitor, vou-me preparando para andar à roda em um sarilho de mentiras. / Não, senhor. Este romance não é um romance: é um diário de sofrimento, verídico, autêntico e justificado."





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