segunda-feira, 18 de outubro de 2010

ariès, steiner e pensar a morte


Só lamento não ter conseguido encontrar o livro de Philip Ariès intitulado "O Homem Perante a Morte". Possivelmente emprestei-o, e agora já não sei a quem, ou deve estar por aqui, entre a literatura e a filosofia, mas o mais certo era estar na bancada filosófica e não está. Recoloco aqui a capa do livro de Steiner. Estas palavras iniciais escrevo-as agora porque, no café do fim do dia, o Casal, a leitura de Steiner temperada com o café e o cigarro, sabe sempre melhor, aliás como qualquer leitura, a propósito das fantásticas observações que Steiner realiza ao livro de Ariès. E resolvi escrever estas linhas porque o livro de Ariès fez-me lembrar o 12. º ano de escolaridade, e, particularmente, a disciplina de História, na qual, a uma dada altura do ano, estudavamos as novas perspectivas e os novos caminhos da História, nomeadamente os da Nova História, lendo, não só Ariès, como também Jacques Le Goff, Georges Duby, Braudel, entre outros e assim me deliciava nos dias. Mas a dada altura, as observações de Steiner sobre o livro de Ariès alertou-me; e alertou-me para a forma como morremos, como o ser humano hoje morre no mundo. Se a reflexão incide inicialmente sobre como o romantismo implantou a problemática da imortalidade da memória, a dada altura Steiner escreve o seguinte: "... nós estamos a viver alterações profundas na condição da morte...". Continua: "As manifestações ostentosas de dor já não são toleradas numa sociedade de higiene agnóstica..." (111) Diz-nos também que a morte, na sociedade contemporânea, tem "lugar atrás da cortina de um quarto de hospital." Mais grave do que atrás da cortina, para além de morrermos atrás da cortina, não se morre dignamente. Hoje, um ser humano, é encostado a uma sala sem nexo, escura, fria, desalinhada, tipo sala de arrumações, e ficamos a um canto numa cama, sem conforto, numa espécie de carro-cama, sem humanidade, coberto por lençóis que não são lençóis, e assim ficamos encostados a um canto, hirtos, estagnados, como se não pertencessemos a este mundo e ao outro, encostados a um canto, apenas, para o mundo que não é mundo, nada, somos nada. Neste mundo sem humanidade que nada somos, apenas se chora não se chorando, e o melhor é sonhar vivendo. A Cândida gostaria.

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