quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

observações republicanas

para o dr. manuel sá marques
CENTENÁRIO DA REPÚBLICA
PORTUGAL, UM PAÌS QUE NÃO EXISTE

... temos atravessando sucessivas crises: crise de política exterior, crise de ordem interna, crise económica e moral, crise financeira; e há muito que vimos padecendo das viciosas práticas dos poderes públicos. Mas tudo isto outra coisa não é senão as manifestações do mal profundo a que sucumbimos, a miséria da nossa educação. E, se é necessário combater os sintomas que, de per si sós, constituem moléstias graves, importa sobretudo extinguir as causas que os determina. De contrário, os mesmos efeitos se reproduzirão e cada vez mais agravados. / Infelizmente, as nossas classes dirigentes não pensam assim.
Bernardino Machado



A exposição intitulada "Resistência: da alternativa republicana à luta contra a ditadura (1891-1974)", organizada pela Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República (patente no Centro Português de Fotografia, no Porto), assim como o seu respectivo catálogo merecem algumas observações críticas. Organizada em nove núcleos temáticos - i) "A Caminho da República (1891-1909)", ii) "O 5 de Outubro de 1910)", iii) "Implantar e Defender a República (1910-1916)", iv) Restauração e Fim da I República", v) "A Ditadura e o Reviralho (1927-1931), vi) "Uma Ditadura Para Durar (1932-1934), vii) "Resistir ((1934-1957), viii) "Uma Resistência Aguerrida (1958-1962)", ix) "Da Guerra Colonial ao 25 de Abril de 1974" - a exposição em foco merece, desde já, a seguinte observação preliminar: a falta de identidade cultural e uma unidade crítica contextual na estrutura dos próprios núcleos, a qual se reflecte no próprio catálogo. Aliás, como a própria Comissão, no prefácio do catálogo, reflecte, que a proclamação da República em Portugal marcou "a sociedade, as instituições e a cultura em Portugal e, em particular, a forma de relacionamento entre Estado e cidadãos" e, mais à frente, se "as oposições se formaram e cresceram" deve-se recordar "desde logo e naturalmente, os que intervieram no contexto político e social, mas também o inegável contributo daqueles que resistiram pela liberdade intelectual, artística, literária, científica e académica." Ora, isto é o que precisamente não acontece nesta exposição, aqui residindo o seu grande paradoxo: : se, por um lado, a actividade política e social se ressalva, em favor de uns em detrimento de outros, ao longo dos vários núcleos temáticos, outro tanto não se passa com a identidade cultural (tão pretendida da Comissão) e humanista de Portugal no plano das ideias, da cultura, da literatura, das artes e mesmo da actividade científica e/ou académica! Se este foi um dos objectivos da Comissão, tal objectivo não se tornou real, efectivo e afectivo. Não é, contudo, a primeira vez que tal situação acontece: podemos ver isto mesmo no volume intitulado "História da Primeira República Portuguesa", com a coordenação de Fernando Rosas e de Fernanda Rollo. Portugal é, irresistivelmente, cada vez mais, como não chegasse já a sua passividade social, um país que nunca pensou em nada! Pelo menos é a sensação com que ficamos nestas duas experiências culturais, o que por si só é de lamentar. O que aqui temos é, acima de tudo, uma falta de identidade


a qual não converge numa ética de convergência. Por isso mesmo, esta é uma exposição que reflecte o espírito do tempo, com uma falta de identidade (fantasmática) e, paralelamente, sem uma ética de convergência. Terá sido esta uma ideia da Comissão? Não me parece. E o que é mais assustador, ao longo dos vários núcleos, é o destaque que se dá aos ditadores, nomeadamente Franco, Sidónio e mesmo Salazar! O que, de facto, coloca em relevo na resistência ao salazarismo é o núcleo oitavo, na parte referente ao já mito e símbolo Delgado, ficando além das expectativas a actividade posterior dos oposicionistas. E,uma vez mais, a actividade de Bernardino Machado, pedagogo e propagandista repubicano, defensor dos grandes ideias republicanos, nomeadamente o da liberdade, reflecte precisamente o espírito da actividade política tal como Mário Soares a descreve no seu livro "Elogio da Política", ao dizer-nos que "a política, como actividade individual exerce-se - em princípio - ao serviço da comunidade e, como a história demonstrou, com inúmeros riscos pessoais", nunca abdicando dos seus princípios para um Portugal livre. Nem um painel condigno mereceu!

Paralelamente a estas contradições, temos o catálogo da exposição. Se um catálogo de uma exposição é um instrumento orientador, um guia, o catálogo da exposição que temos vindo a falar falha redondamente, na medida em que, por um lado, não esclarece o visitante dos núcleos e dos sub-núcleos existentes e expositivos e, depois, por outro lado, não efectua a devida catalogação das expécies documentais patentes na mesma. Um catálogo, para ser verdadeiramente um catálogo de uma exposição, deve conter estes elementos internos estruturantes, assim como a respectiva documentação reproduzida. Um catálogo será sempre um documento único que fica registado para história da memória! Este catálogo falseia a história da própria exposição! A sociedade portuguesa merecia um catálogo digno desta exposição! Desta forma, parece mais um livro do que propriamente um catálogo. Chamando a atenção para o que temos em epígrafe, termino: a Comissão preocupou-se com a exterioridade dos acontecimentos, não com a interioridade dos mesmos. Portugal não existe!
Amadeu Gonçalves

1 comentário:

Anónimo disse...

Dr.Amadeu e meu querido Amigo:
Tenho vindo a transcrever as verdadeiras lições de Bernardino Machado, a quem chamo o PEDAGOGO DA REPÚBLICA. No blogue de 29 de Janeiro passado pode ler-se a intervenção que fez em 1909, no Centro Alexandre Braga, e que intitulou - "Educação e instituições".
Mais um apertado e grato abraço do
Manuel Sá Marques