quinta-feira, 18 de junho de 2009

"Coração, Cabeça e Estômago"


Apontamentos à Volta do Livro "Coração, Cabeça e Estômago" (CCE)

Eis um romance vivo de Camilo, perante o qual, indiscutivelmente, com uma interioridade textual riquíssima, se desvela aquilo, uma vez mais, que poderá ser o ser humano perante o tema maior deste livro, o amor, na sua essência, ao lado do “dinheiro” – uma vez mais.
Para mim, Silvestre da Silva, para além dos problemas que a personagem pode criar entre o romantismo e o realismo, é aquela personagem tipo-masculina que se identifica, acima de tudo, como protótipo do ideário romântico no qual se relaciona, mais do que com a vida, com a própria literatura, na hipótese da literatura ser vida. Camilo em Silvestre da Silva? Acredito que sim, tal como em Luís da Cunha (“Neta do Arcediago”) e, a minha personagem predilecta, Guilherme do Amaral (“Memórias de Guilherme do Amaral”, “Onde Está a Felicidade” e “Um Homem de Brios”), a mais rica personagem masculina da interioridade ficcional camiliana, onde a vida se confunde com literatura e a literatura com a vida.
Relativamente ao mundo feminino, em CCE, temos a personagem feminina Marcolina, aquela que o mundo despreza; mas a sua edificação salvífica enquanto personagem em queda, e mesmo em queda se liberta, prefiro indiscutivelmente a Liberata do livro “Neta do Arcediago”, que representa não só o tipo feminino camiliano em queda absoluta, para além de todas as convenções sociais, se converte em anjo e encontra a felicidade, neste mundo e no outro, no total abandono de tudo e de todos. São as “almas” eleitas de Camilo, tal como Augusta (“Um Homem de Brios”), a qual na queda, para lá de todas as construções morais da sociedade, consegue a ascensão moral e social.

Pensamentos
CCE

Um filósofo não deve aceitar no seu vocabulário a palavra morte, senão convencionalmente. Não há morte. O que há é metamorfose, transformação, mudança de feitio.

… a felicidade quer-se recatada para não suscitar invejas: é ela como a fina essência das flores distiladas, que perde o aroma, destapado o cristal que a encerra.

Um verdadeiro amor é segunda inocência.

Grande é a angústia do homem que de si próprio quer esconder seu aviltamento!

Felizes os que choram… É a única felicidade que eu posso dar-lhe.

E o meu riso era um espirro de ferocidade, uma destas coisas que sente o Lúcifer, quando o sacode a vertigem da raiva impotente contra Deus.


Amadeu Gonçalves




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