segunda-feira, 29 de agosto de 2011

de afonso cruz, o mundo





ficamos sempre na expectativa com o título. só que o título é um pequeno nada quando se lê esta história, o último livro do escritor português afonso cruz, e que se chama "o pintor debaixo do lava-loiças". entre o que poderá ser a realidade, o espaço geográfico do mundo do pintor josef soers, isto é, ivan soers, e o espaço geográfico da infância do escritor afonso cruz, há um ponto em comum: a estética. se em ivan soers nos surgem reflexões estéticas à volta do que poderá ser a arte, em afonso cruz, através da personagem wilhelm, surgem-nos reflexões sobre o que poedrá ser a literatura. se logo no início nos surge a justificação desta história, na medida em que "as histórias não podem ser engarrafadas sem que se estraguem rapidamente", até porque elas "têm de andar ao ar livre como os animais selvagens", o que se deve fazer com as histórias é que "temos de as soltar para que possam correr todas nuas, digamos, libertas, sem preconceitos"; e, para além das reflexões estético-literárias, perante a ironia e o humor, afonso cruz oferece-nos reflexões éticas e existenciais, seja sobre o amor, a guerra, a morte, a interioridade do humano, sobre o tempo, transmite-nos uma ideia de portugalidade, enfim, a transcendência do mundo em nós, melhor, aquela in-transcendência para além daquele projecto de soers e que se chamava "museu das coisas inúteis". neste livro nada é inútil. há frases e pensamentos que podemos não concordar com eles, mas, como soers, reinventa-se o mundo, nós mesmos podemos reinventar e redesenhar esteticamente o mundo em nós para sermos outros nele. na mensagem de soers-cruz, de que "a felicidade é quando nos esquecemos da infelicidade em que vivemos", vai precisamente ao encontro do que acabo de dizer. reproduzo num pequeno filme a capa e três desenhos de afonso cruz, com a sua devida permissão, outra riqueza deste livro, cheio de olhos, abertos e fechados, para vermos melhor o mundo, diga-se, a escrita enquanto mundo de uma in-transcendência que se eleva.




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