domingo, 2 de maio de 2010

bernardino machado e a pedagogia

Publico aqui o primeiro ponto, dos oito, da "Introdução" a esta obra de Bernardino Machado publicada pela Câmara Municipal, o Museu Bernardino Machado e as Edições Húmus, do Prof. Dr. Norberto Ferreira da Cunha, coordenador científico do Museu e das respectivas obras de Bernardino Machado.
Esta obra - incomum no seu género, entre nós, por se tratar de uma sucessão de reflexões politemáticas, independentes entre si - teve cinco edições. Elogiada por Claparède e João Chagas, foi considerada por Câmara Reys um livro "ridículo", pese embora o muito apreço que tinha pela finura de espírito e pelo temperamento político do seu autor. Todas as edições têm, em comum, uma psico-genética das condutas sensori-motrizes, concretas, intelectuais e morais das crianças e reflexões de índole psico-pedagógica. Mas há diferenças assinaláveis entre as diferentes edições. A edição que foi publicada na revista O Instituto (Notas dum pae. As creanças, 1896-1903) além de focar aquele denominador comum, alarga os seus pólos de interesse ao cientista, à "pessoa" humana e ao "cidadão", discorrendo, com agudeza, sobre a epistemologia das ciências naturais, sublinha a importância paradigmática da moral social, simpatiza com a monarquia liberal de Fontes Pereira de Melo e Braamcamp Freire, não mostra qualquer simpatia pelas classes dirigentes monárquicas nem pelo movimento republicano português (mas quer que o poder político seja electivo e por sufrágio universal dos cidadãos), é completamente, hostil às ditaduras, apresenta um projecto próprio de democracia liberal e socialista, uma visão crítica - mas também construtiva - do ensino (sobretudo do infantil, elementar e superior) e algumas considerações sobre o catolicismo e a religião. As restantes edições são mais restritivas: enfatizam a prática psico-pedagógica infantil a partir da psicofisiologia e da observação das condutas das crianças (como na edição do Instituto e minimizam, quando não excluem (a atitude mais frequente) as reflexões epistemológicas e políticas. Há, pois, diferenças substanciais. Poder-se-á especular sobre as razões que levaram Bernardino Machado a não incluir nas edições distintas da publicada na revista conimbricense, certos temas de ordem epistemológica, social, política e educativa. Por uma de duas razões, certamente: as suas reflexões epistemológicas se não eram, inteiramente, deslocadas em livro de psico-pedagogia infantil e da psico-génese das operações sensori-motrizes, intectuais e morais, eram, todavia, inessenciais; a sua exclusão poder-se-á ter ficado a dever a uma mera depuração e concentração do "objecto" principal das suas reflexões; o mesmo se poderá dizer e, pelas mesmas razões, da exclusão das suas considerações políticas (embora aqui se possa dizer, também, que a exclusão ter-se-á ficado a dever ao seu crescente desencanto pela Monarquia e a uma cada vez maior aproximação ao republicanismo). Mas sejam quais forem as razões das exclusões e do reordenamento das suas reflexões, as diferenças que acabam de ser assinaladas tornam a edição do Instituto bastante distinta das restantes, não só incluindo o conteúdo destas, mas ultrapassando-o. Merece, pois uma "introdução" ao essencial das restantes (e algo diferentes) edições desta obra.