DOBLIN, Alfred
Berlim Alexanderplatz: a história de Franz Biberkopf: romance. 2.ª ed. Trad. Sara Seruya, Teresa Seruya; Pref. Teresa Seruya. Lisboa: Dom Quixote, 2010. 591 p.
"... quero aqui aflorar uma linha filosófica, mesmo metafísica. Subjacente a todas as minhas obras épicas de maior vulto há uma fundamentação espiritual. A obra épica é o prolongamento e a concretização, inclusivé a experimentação, em forma artística, diria eu, de um estádio de raciocínio atingido durante o trabalho espiritual preliminar. De maneira que, em regra, no termo de uma obra épica como essa, o meu raciocínio já está de novo ultrapassado e os seus alicerces abalados. Ela começa com uma certeza e termina com uma nova pergunta. Pois aqui, como tónica de raíz e fundamento do livro Alexanderplatz, é a seguinte a minha posição, que expus no anterior escrito filosófico O Eu Acima da Natureza: o mundo é um mundo de dois deuses. É um mundo a um tempo de construção e desagregação. Este confronto ocorre na temporalidade, e nós participamos nele. Ora neste momento assistimos à junção desta cadeia filosófica de raciocínios com a primitiva da criminalidade. A sociedade está minada pela criminalidade, disse eu. Que quer isto dizer? Há ordem e dissolução dentro dela. Mas não é verdade que a ordem, e nem sequer a forma e a existência, sejam reais sem a tendência para a dissolução e sem a destruição factual. Veja-se, por exemplo, no livro Berlim Alexanderplatz Franz Biberkopf quando sai da prisão. Ele é bom por natureza, como se costuma dizer, e ainda por cima é uma criança queimada que tem medo do fogo. E ao entrar no mundo, veja-se só, quer ser decente, quer cumprir honrada e fielmente as leis do mundo, tal como as imagina e - isso - não resulta! Não resulta. Golpe atrás de golpe cai-lhe em cima e dá cabo do homem: também poderia dizer dá cabo deste raciocínio.
Alfred Doblin
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